segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Nosferatu e os códigos de barras

Quem goste do ecrã demoníaco alemão dos anos 20, ou quem apenas tenha simpatias góticas, pode assistir aqui à projecção do Nosferatu, eine Symphonie des Grauens. O próprio vampiro foi surpreendido (ou podia ter sido, se resistisse à luz do sol) a apontar uma das etiquetas que de repente se propagaram pelas árvores do Parque da Pena.



O arquitecto da recuperação do Chalet da Condessa, que entusiasticamente nos descreveu algumas das acções em desenvolvimento no Parque, referiu entre elas a georreferenciação sistemática das suas árvores – ou seja, a sua localização em cartografia digital, associada a informação mais ou menos exaustiva sobre cada exemplar – que para este efeito passariam a estar identificadas por uma etiqueta com um código de barras. Poderá ser, ao que parece, um instrumento de gestão precioso.

Confirmando a tendência do bem e do mal para sempre se apresentarem de mãos dadas, o resultado visual e simbólico desta boa notícia deprime um pouco. Os seres vegetais gloriosos que povoam o nosso Parque transportam agora todos, presa ao tornozelo, a sua correia preta e o seu código de barras, reminiscentes das pulseiras dos condenados em prisão domiciliária. Nós próprios, num transporte pessimista, antevemos já a sugestão de um futuro distópico em que todos traremos gravadas as barras do nosso código, para nossa georreferenciação e para nosso bem. Ou um futuro de empobrecimento e um novo ciclo de abandono da Pena, transformada em acacial-pitosporal cerrado, no qual os restos da floresta passada se resumem a restos abandonados de correias e códigos de barras, difíceis de biodegradar.



Ou pelo contrário: a identificação é leve e pouco perturbadora, os benefícios de um conhecimento mais exaustivo vão tornar-se evidentes à medida que avance o controlo das invasoras e a reflorestação exemplar dos sectores degradados, e o Parque da Pena renascerá para uma nova época de glória. Podemos aguardar por uma ou outra coisa entretendo-nos com o Nosferatu oferecido pelo mundo virtual, um vampiro kitsch aprisionado pelo seu destino mesmo sem código de barras.

Sem comentários:

Enviar um comentário