

Duas horrendas baleias brancas estão a assombrar a Serra de Sintra: uma anda pelo jardim do portão principal da Pena, levantando a sua bossa acima do muro e desfigurando a paz das manhãs de Outono. Outra invadiu um outrora tranquilo terreiro junto do Castelo dos Mouros, quebrando o encanto dos caminhos e amedrontando os passantes desprevenidos. Suspeita-se que estes monstros pretendem, com a crueldade que lhes é própria, apoiar visitantes que necessitem refresco ou entretenimento - porque há quem entenda que os Parques não entretêm o suficiente e que os visitantes são excessivamente irrequietos e concentram-se com dificuldade.
Na verdade, estas baleias evocadoras de tendas de copo-d´água poluem as belas visões da Serra e arreliam sem necessidade os amantes de Sintra: «tudo o que enlouquece e que atormenta, tudo o que agita o fundo turvo das coisas, toda a verdade contendo uma dose de malícia, tudo o que desorganiza os nervos e confunde o cérebro, tudo o que existe de demoníaco na vida e no pensamento, todo o mal em suma» (Herman Melville, Moby Dick, trad. Alfredo Margarido e Daniel Gonçalves, Relógio d´Água 2005, p.219).
Aqui fica por isso um apelo desesperado: não era tão bom que um perseguidor de baleias tão furioso como o Capitão Ahab, mas mais bem sucedido do que o da história terrível, arpoasse impiedosamente estas Moby Dick e restituísse a serenidade a estes lugares?