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sábado, 27 de março de 2010

Sintra na Ajuda (em vez de “Efeméride”)


Onde estávamos nós com a cabeça? Queríamos ter celebrado pontualmente o nosso primeiro aniversário (este blogue foi iniciado no dia 25 de Março de há um ano), mas parece que teremos de nos guardar para o segundo, que felizmente é só daqui a 363 dias.

Vamos ao que interessa: o Palácio da Ajuda sobrevive um pouco decadente num recanto condizente da cidade. Embalados pela recente distinção recebida por Lisboa – a de Melhor Destino Europeu, na qual os votantes que a elegeram se afirmam extasiados com a sua “autenticidade” e “genuinidade” – subimos a calçada desleixada e atravessámos os fragmentos descosidos de cidade até ao grande edifício fanado e para sempre inacabado, repetindo para nós próprios que tudo aquilo era realmente autêntico e genuíno.

Visitámos, uma a uma, as salas visitáveis do palácio, coisa sobre a qual não nos podemos deter muito tempo – não nos queremos afastar muito dos temas sintrenses e correr o risco de expulsão da comunidade de blogues temáticos que têm Sintra por tema.

Enfim, sintrómanos inveterados como somos, uma visão súbita acelerou-nos o coração e aqueceu-nos o sangue: aproximando-nos do vão que separa a Sala de Mármore da Sala Rosa, deparámos com esta pintura na almofada da porta, implorando pelo clique furtivo de um telemóvel. Deve ter sido pintada por altura da ocupação da Ajuda por D. Luis I, nos anos 60 do século XIX. Pareceu-nos não só que tínhamos de a trazer para aqui, como também que era uma forma possível de comemoração atrasada: eis uma Pena um pouco tenebrosa enfeitiçando o Palácio da Ajuda, gravada na almofada da porta de uma pequena sala desse palácio que D. Fernando II detestou.


domingo, 19 de julho de 2009

“Often inattentive, and occasionally stupid”

Há muitos anos, soubemos que Raul Lino desenhara o jazigo da Condessa d’Edla, reproduzindo, para sua última morada, o ponto mais alto da Serra de Sintra e a sua Cruz. Nunca o conhecemos no local, ou sequer em imagens, e durante umas duas décadas mantivemo-nos esquecidos deste facto. Há três meses o Rio das Maçãs assinalou o aniversário da morte da Condessa e mostrou uma fotografia do jazigo (no Parque da Pena também o podiamos ter encontrado), o que nos provocou uma reacção estranha: primeiro, surpresa e entusiasmo pela descoberta; depois, uma recordação progressiva e lenta do conhecimento passado e entretanto desvanecido. Sentimo-nos como Catherine Morland, a heroína que Jane Austen criou para A Abadia de Northanger:

«Nunca aprendia ou compreendia nada antes de ser ensinada; e por vezes nem então, porque era frequentemente desatenta e ocasionalmente estúpida.»

Pois bem, por penitência – e também com gosto – deslocámo-nos ao Cemitério dos Prazeres, Rua 2-A, n.º 6399, para aprendermos e compreendermos sem desatenção nem estupidez. A réplica reduzida, à escala 1:2 ou 1:3, foi desaparecendo do lado da frente do jazigo, à medida do crescimento dos ciprestes – será que foram, com as rochas graníticas, recolhidos na Pena? Por estar a submergir na vegetação, só é possível ver a cruz de tardoz, e, ainda assim, há que esquinar para sudoeste para divisar o seu topo desimpedido – porque a base desapareceu de todos os ângulos:




Temos agora um atraente paradoxo: a pedra enegrecida da réplica, envelhecendo no seu túmulo, denuncia os oitenta anos que já conta, enquanto que o modelo original, destruído por um raio e há pouco tempo reerguido, resplandece na sua pedra juvenil:

sábado, 27 de junho de 2009

Um pouco mais de urbanismo, em tom amargo

Mais uma digressão fora de Sintra, ainda propósito de urbanismo e espaço público, em tom amargo. Há umas semanas, tínhamos recorrido aqui a uma imagem dos Olivais como ilustração de bairro lisboeta forte em arborização. Trata-se de um pedaço de cidade pensado e edificado há quase meio século é e é muito esclarecedor da evolução da nossa prática urbanística compará-lo com a intervenção recente no mesmo local. Veja-se, por exemplo, estas duas fotografias, captando dois espaços adjacentes:



Na primeira temos o modelo lançado em força na Europa a partir da década de vinte, mas que em Portugal só triunfa verdadeiramente trinta anos mais tarde. No grande projecto público de urbanização dos Olivais, houve uma parcela central que foi reservada à instalação de um Centro Cívico e que permaneceu desocupada até aos anos noventa. A administração da cidade decidiu então alterar o uso previsto e promover a ocupação que se vê na segunda fotografia, actualmente em fase de conclusão.

Qual é a diferença entre as duas imagens? Na primeira o urbanismo centra-se na ideia de valor social do solo e a administração pública vê-se a si própria como intérprete das necessidades da comunidade, enfatizando os espaços verdes, o equipamento público e a respiração entre os edifícios. Na segunda, a administração pública tornou-se um competidor agressivo no mundo dos negócios imobiliários. Por isso, cada metro tem de ser ocupado por usos com valor de mercado: o índice de construção na segunda imagem é, talvez, cinco vezes superior ao da primeira. Uma maior aproximação reforça o contraste:


No lado de baixo da rua a ocupação do urbanismo ideológico, do lado de cima da rua a ocupação do urbanismo especulativo. Em baixo, depois da faixa de rodagem, há estacionamento, depois uns quinze metros que incluem passeio e uma faixa verde arborizada e só depois os blocos de habitação. Em cima não há sequer estacionamento delimitado (os automóveis estão abusivamente estacionados) e o passeio sem árvores está nos mínimos regulamentares de dois metros e meio. Embaraça-nos muito que o lado pré-74 seja o de baixo. Quanto ao lado de cima, acaba de ser construído e leva-nos a perguntar se precisamos mesmo de pagar a existência de um serviço público de planeamento e gestão urbanística que não se distingue de qualquer tubarão imobiliário.

(Imagens 1 e 2 em Bing Maps, modo bird's eye; imagem 3 em Google Earth)

segunda-feira, 1 de junho de 2009

E agora uma coisa completamente diferente…


… os jacarandás do Largo do Carmo, em Lisboa! Sabemos que a inveja é um sentimento feio. Mas não é de inveja que se trata mas de admiração pela beleza (que não temos). De facto, no grande e cosmopolita mundo botânico de Sintra há uma pequena mas notória falta: jacarandás. Como os de Lisboa, como os da pequena (e belíssima) praça do Carmo que, todos os Maios, se transfiguram, exibindo, sem pudor nem modéstia, a sua irresistível beleza.

Uma beleza visual e aromática que, invadindo os nossos principais sentidos, se apodera da nossa alma. Uma beleza material que sentimos nas nossas mãos ou debaixo dos nossos pés ao agarrarmos ou pisarmos as pequenas flores que à medida que caem nos permitem, assim, descobrir a sua suave consistência e delicada oleosidade – que se agarra a nós.

domingo, 17 de maio de 2009

Arbofilia e arbofobia


Na guerra complexa entre amor e ódio às árvores que por estas terras se trava, e estando nós bem alinhados do lado dos enamorados, gostamos por vezes de nos comparar com as culturas mais arbófilas em busca de encorajamento. Até há pouco tempo era necessário viajar para lá dos Pirenéus para nos apercebermos da muito maior importância da arborização urbana noutros locais deste continente, mas hoje podemos, sem sair de casa, sobrevoar cidades inteiras com olhos de satélite e ver até que ponto somos diferentes.

Resolvemos trazer para um pequeno apontamento comparativo a mais arborizada das capitais europeias, Berlim (em modo bird's eye do maps.live.com). Escolhemos um fragmento de um bairro médio da nossa metrópole – um bairro que está longe de se contar entre os nossos mais áridos, como, por exemplo, a Portela de Sintra, de bom desenho urbano com origem nos anos 40 do século passado. Depois procurámos, ao acaso, um fragmento indiferenciado da periferia de Berlim, de aparência próxima em desenho, densidade, tipologias, volumes e, até, como a Portela, com um campo de futebol.

Portela de Sintra (Lisboa)

Reinickendorf (Berlim)

Em Reinickendorf as árvores estão por todo o lado, em espaços públicos e privados, cobrindo a maior parte do espaço livre com as suas copas. Na Portela de Sintra, à excepção da mancha do jardim no topo, aliás desastrosamente podada este ano, a pobreza arbórea é confrangedora - veja-se como os dois campos de futebol são envolvidos, um de alcatrão, outro verde luxuriante! Mas tentemos resgatar-nos escolhendo um outro exemplo que nos possa ser mais favorável, olhando antes para Olivais Sul, um dos nossos bairros mais arborizados. Façamo-lo então acompanhar por um equivalente berlinense e desanimemos de novo: face à opulência das árvores da Siemensstadt, no meio das quais flutuam os edifícios, que rala e desgraçada parece a verdura dos Olivais.

Olivais Sul (Lisboa)

Siemensstadt (Berlim)

O que se passa com esses berlinenses, que não se passa connosco? Viverão numa cidade tão mais soalheira do que a nossa que não se podem dar ao luxo de dispensar a sombra das árvores? Serão um povo tão destemido que não teme nem mesmo o tamanho natural de uma árvore adulta? Terão desenvolvido uma secreta tecnologia de canalizações, alicerces e pavimentos que os imuniza contra ataque maléfico das raízes? Disporão de sarjetas e algerozes mágicos que resistem ao entupimento? Terão os seus sofisticados automóveis e as estóicas cabeças dos seus cidadãos uma protecção única contra o gotejar das “resinas” e a queda traiçoeira dos ramos? Terão os seus malfeitores abdicado de se albergar na sombra profunda das copas para espalhar a insegurança? Terão os seus genes miraculosos ganho um invencível poder anti-alérgico? Ou talvez, apenas, gostem os berlinenses de viver junto de árvores, e nós nem por isso.