Mostrar mensagens com a etiqueta Urbanismo. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Urbanismo. Mostrar todas as mensagens

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

As traseiras do Património Mundial


Nas traseiras de Sintra Património Mundial, mas de frente para a Serra, eis o Estádio de Sintra (e respectivas imediações). Situado no bairro da Portela, plenamente inserido na sua malha urbana e na zona tampão da área classificada pela UNESCO, é a sede do Sport União Sintrense, alberga a Universidade para a Terceira Idade, para além de ser usado como parque de estacionamento de veículos vários e como depósito de sucata e de entulhos diversos. Consegue a façanha de ser, simultaneamente, um caso de absoluto desleixo, de gritante mau gosto e de total demissão das autoridades municipais do planeamento e gestão do espaço público. Um sério candidato, na nossa opinião, à classificação de Lixo Mundial não se desse o caso de concorrer de forma desleal com áreas efectivamente pobres e destituídas de meios, humanos e materiais, do chamado Terceiro Mundo.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Descendo ao Luso

Descendo ao Luso podíamos encontrar muitos motivos de encantamento, mesmo com a má gestão urbanística das últimas décadas que o Luso partilha com o resto do país. As termas (degradadas mas, ao que parece, em vias de recuperação) e o núcleo de edifícios do início do século XX seriam suficientes para lhe vincar o carácter. O Grande Hotel de 1940 (um Cassiano Branco em cujas varandas se pode acenar e dar vivas ao Sr. Presidente do Conselho) domina a vila e faz muito boa figura.

Mas foi o desastre do tratamento da arborização pública que acabou por nos prender a atenção. Como é habitual, também aqui reina a popular espécie anã dos plátanos mutilados. No entanto, o que mais nos chocou foi a recentemente (bem) remodelada Avenida Emídio Navarro, que poderia vir a ser uma magnífica alameda de tílias. Os jovens exemplares plantados, no entanto, já sofreram a exigida poda vivificante, a primeira de muitas, e estão condenados a nunca se tornarem verdadeiras árvores.



Caso viessem a tornar-se árvores, como estes castanheiros-das-índias foram em tempos, algum iluminado iria lembrar-se de os reduzir a cotos moribundos, para melhor enquadramento urbano, para benefício da saúde pública, para protecção da propriedade privada, ou por qualquer outra razão igualmente nobre.

sábado, 27 de junho de 2009

Um pouco mais de urbanismo, em tom amargo

Mais uma digressão fora de Sintra, ainda propósito de urbanismo e espaço público, em tom amargo. Há umas semanas, tínhamos recorrido aqui a uma imagem dos Olivais como ilustração de bairro lisboeta forte em arborização. Trata-se de um pedaço de cidade pensado e edificado há quase meio século é e é muito esclarecedor da evolução da nossa prática urbanística compará-lo com a intervenção recente no mesmo local. Veja-se, por exemplo, estas duas fotografias, captando dois espaços adjacentes:



Na primeira temos o modelo lançado em força na Europa a partir da década de vinte, mas que em Portugal só triunfa verdadeiramente trinta anos mais tarde. No grande projecto público de urbanização dos Olivais, houve uma parcela central que foi reservada à instalação de um Centro Cívico e que permaneceu desocupada até aos anos noventa. A administração da cidade decidiu então alterar o uso previsto e promover a ocupação que se vê na segunda fotografia, actualmente em fase de conclusão.

Qual é a diferença entre as duas imagens? Na primeira o urbanismo centra-se na ideia de valor social do solo e a administração pública vê-se a si própria como intérprete das necessidades da comunidade, enfatizando os espaços verdes, o equipamento público e a respiração entre os edifícios. Na segunda, a administração pública tornou-se um competidor agressivo no mundo dos negócios imobiliários. Por isso, cada metro tem de ser ocupado por usos com valor de mercado: o índice de construção na segunda imagem é, talvez, cinco vezes superior ao da primeira. Uma maior aproximação reforça o contraste:


No lado de baixo da rua a ocupação do urbanismo ideológico, do lado de cima da rua a ocupação do urbanismo especulativo. Em baixo, depois da faixa de rodagem, há estacionamento, depois uns quinze metros que incluem passeio e uma faixa verde arborizada e só depois os blocos de habitação. Em cima não há sequer estacionamento delimitado (os automóveis estão abusivamente estacionados) e o passeio sem árvores está nos mínimos regulamentares de dois metros e meio. Embaraça-nos muito que o lado pré-74 seja o de baixo. Quanto ao lado de cima, acaba de ser construído e leva-nos a perguntar se precisamos mesmo de pagar a existência de um serviço público de planeamento e gestão urbanística que não se distingue de qualquer tubarão imobiliário.

(Imagens 1 e 2 em Bing Maps, modo bird's eye; imagem 3 em Google Earth)

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Desvio por Berlim


Recebemos de Berlim uma pequena história da Bauhaus, em banda desenhada, que a Berlim queremos agradecer. É também um bom pretexto para voltar a vaguear pela deslumbrante arborização pública dessa cidade. Há ligações fortes entre a Bauhaus e o urbanismo alemão da República de Weimar, que produziu admiráveis fragmentos de cidade. Entre estes, gostaríamos de olhar um pouco para um dos bairros berlinenses mais notáveis: Onkel Toms Hütte.

Imagem em Bing Maps (modo Bird's Eye)

No documentário “As Operações SAAL”, dedicado a este programa público de habitação influente mas de curta duração, lançado no verão extraordinário de 1974, é-nos contado um episódio divertido. Para justificar, aos seus futuros habitantes um tanto desconfiados, a cor forte combinada com branco escolhida para pintar as fachadas do Bairro da Bouça, no Porto, o arquitecto Siza Vieira declarou que se tratava de uma homenagem a Bruno Taut, um arquitecto alemão celebrizado na República de Weimar mas praticamente desconhecido em Portugal. Tempos mais tarde, numa visita de funcionários municipais hostis ao programa SAAL, houve comentários demolidores e expressões de desprezo e sobranceria face à cor e à sua utilização nos edifícios. Então, um habitante, provável antigo morador de uma barraca, terá explicado com superioridade erudita aos medíocres funcionários: «É uma homenagem ao arquitecto Bruno Taut

Bruno Taut, com Hugo Häring e Otto Rudolf Salvisberg, é autor do Waldsiedlung Onkel Toms Hütte – literalmente, um “bairro florestal”, construído no lugar de uma floresta, no sudoeste de Berlim, entre 1926 e 1932. Já então não era bem-vindo o avanço da cidade sobre a floresta, e estes urbanistas procuraram manter a máxima cobertura arbórea existente – pinheiros, em grande parte – complementando-a generosamente ao ponto de hoje, vistas do ar, as bandas de três pisos mostrarem as próprias coberturas meio submersas nas copas: a floresta parece triunfar sobre a edificação. No centro do bairro a estação de metro (canto inferior esquerdo na fotografia aérea), tornando-o, como aliás toda a cidade, bastante imune à automóvel-dependência.

O Waldsiedlung distingue-se pela qualidade do desenho urbano e arquitectónico, mas é a arborização que, para nós, é extraordinária: ao contrário do desenho superlativo, este tipo de abundância verde não tem paralelo no nosso país. As próprias políticas urbanas de Berlim a tal conduzem – por exemplo, operações urbanísticas que impliquem corte de árvores têm por obrigação garantir novas plantações, em local adequado, do triplo dos exemplares derrubados. Assim, estas imagens que para nós são tão exóticas não passam de retratos comuns de tantos outros folhosos bairros berlinenses que já aqui invejámos, como invejamos essa cultura urbana tão incondicionalmente amante das suas árvores.




Imagem 1, imagem 2 e imagem 3 em Flickr
Imagem 4 em Google Earth

domingo, 17 de maio de 2009

Arbofilia e arbofobia


Na guerra complexa entre amor e ódio às árvores que por estas terras se trava, e estando nós bem alinhados do lado dos enamorados, gostamos por vezes de nos comparar com as culturas mais arbófilas em busca de encorajamento. Até há pouco tempo era necessário viajar para lá dos Pirenéus para nos apercebermos da muito maior importância da arborização urbana noutros locais deste continente, mas hoje podemos, sem sair de casa, sobrevoar cidades inteiras com olhos de satélite e ver até que ponto somos diferentes.

Resolvemos trazer para um pequeno apontamento comparativo a mais arborizada das capitais europeias, Berlim (em modo bird's eye do maps.live.com). Escolhemos um fragmento de um bairro médio da nossa metrópole – um bairro que está longe de se contar entre os nossos mais áridos, como, por exemplo, a Portela de Sintra, de bom desenho urbano com origem nos anos 40 do século passado. Depois procurámos, ao acaso, um fragmento indiferenciado da periferia de Berlim, de aparência próxima em desenho, densidade, tipologias, volumes e, até, como a Portela, com um campo de futebol.

Portela de Sintra (Lisboa)

Reinickendorf (Berlim)

Em Reinickendorf as árvores estão por todo o lado, em espaços públicos e privados, cobrindo a maior parte do espaço livre com as suas copas. Na Portela de Sintra, à excepção da mancha do jardim no topo, aliás desastrosamente podada este ano, a pobreza arbórea é confrangedora - veja-se como os dois campos de futebol são envolvidos, um de alcatrão, outro verde luxuriante! Mas tentemos resgatar-nos escolhendo um outro exemplo que nos possa ser mais favorável, olhando antes para Olivais Sul, um dos nossos bairros mais arborizados. Façamo-lo então acompanhar por um equivalente berlinense e desanimemos de novo: face à opulência das árvores da Siemensstadt, no meio das quais flutuam os edifícios, que rala e desgraçada parece a verdura dos Olivais.

Olivais Sul (Lisboa)

Siemensstadt (Berlim)

O que se passa com esses berlinenses, que não se passa connosco? Viverão numa cidade tão mais soalheira do que a nossa que não se podem dar ao luxo de dispensar a sombra das árvores? Serão um povo tão destemido que não teme nem mesmo o tamanho natural de uma árvore adulta? Terão desenvolvido uma secreta tecnologia de canalizações, alicerces e pavimentos que os imuniza contra ataque maléfico das raízes? Disporão de sarjetas e algerozes mágicos que resistem ao entupimento? Terão os seus sofisticados automóveis e as estóicas cabeças dos seus cidadãos uma protecção única contra o gotejar das “resinas” e a queda traiçoeira dos ramos? Terão os seus malfeitores abdicado de se albergar na sombra profunda das copas para espalhar a insegurança? Terão os seus genes miraculosos ganho um invencível poder anti-alérgico? Ou talvez, apenas, gostem os berlinenses de viver junto de árvores, e nós nem por isso.