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terça-feira, 10 de novembro de 2009

Descintrificação (I)


A Sintra luxuriante dos nossos dias, tão diferente da que Herculano descreveu há século e meio, deve muito a uma migração de culturas dendrófilas norte-europeias, que aqui se aclimataram com resultados que hoje vemos como a quintessência sintrense – desde logo, à cabeça, a germânica Pena, seguida do seu irmão britânico menor, Monserrate. Mas as recriações do Jardim do Éden não se ficaram pelas grandes escalas: foram generalizadas com várias intensidades e diferentes sucessos, desde a grande quinta histórica à casa de bonecas com o seu pátio de um palmo.

Foi e continua a ser o conjunto de acções de múltiplos proprietários inspirados, com os seus parques públicos ou privados, a fonte primeira desse deslumbrante equilíbrio de paisagem que conhecemos, em parte edificada, em parte natureza domesticada, em parte quase selva. Porém, quando estes proprietários são contaminados pelo ódio meridional à arborização séria e perdem o sentido dos seus deveres e da sua responsabilidade, os resultados são desastrosos: Sintra descintrifica-se.

Na base das escadinhas de Santa Maria havia uma casa no meio do seu jardim-selva, próprio de um local há muito tempo em quase abandono. Precisava de quem tratasse dele, é certo, mas o recanto, para quem passava nos caminhos em volta, era um gosto de sombra e verde saturado. Há poucos anos a casa foi comprada por diplomatas, cremos que vindos de um lugar hispânico – talvez o deserto de Sonora, talvez o de Atacama, talvez um pedaço dos mais estéreis de Castela Nova ou Aragão. Atarefaram-se em obras na casa e no jardim, e o resultado foi este:


Não gostamos dos detalhes decorativos, mas é mera questão de gosto, tal como o são, de outro modo, o pavilhão de churrasco e a piscina. Mas arrasar toda vegetação e cobrir o chão de lajes em forma de calçada calcária é puro crime lesa-Sintra para o qual não há perdão. Um sítio magnificamente sintrense transformou-se assim num sítio desgostoso a evitar. A única réstia de esperança está agora na placa “vende-se” pendurada após a devastação. Roga-se aos futuros proprietários um pouco mais de sensibilidade e algum reconhecimento pelo lugar único que lhes será permitido partilhar. Plantar um jardim-bosque que merecesse Sintra seria um bom começo.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Descendo ao Luso

Descendo ao Luso podíamos encontrar muitos motivos de encantamento, mesmo com a má gestão urbanística das últimas décadas que o Luso partilha com o resto do país. As termas (degradadas mas, ao que parece, em vias de recuperação) e o núcleo de edifícios do início do século XX seriam suficientes para lhe vincar o carácter. O Grande Hotel de 1940 (um Cassiano Branco em cujas varandas se pode acenar e dar vivas ao Sr. Presidente do Conselho) domina a vila e faz muito boa figura.

Mas foi o desastre do tratamento da arborização pública que acabou por nos prender a atenção. Como é habitual, também aqui reina a popular espécie anã dos plátanos mutilados. No entanto, o que mais nos chocou foi a recentemente (bem) remodelada Avenida Emídio Navarro, que poderia vir a ser uma magnífica alameda de tílias. Os jovens exemplares plantados, no entanto, já sofreram a exigida poda vivificante, a primeira de muitas, e estão condenados a nunca se tornarem verdadeiras árvores.



Caso viessem a tornar-se árvores, como estes castanheiros-das-índias foram em tempos, algum iluminado iria lembrar-se de os reduzir a cotos moribundos, para melhor enquadramento urbano, para benefício da saúde pública, para protecção da propriedade privada, ou por qualquer outra razão igualmente nobre.

terça-feira, 16 de junho de 2009

As conferências de Sintra



Estas são as duas primeiras páginas de um fac-símile oferecido no ciclo de conferências organizado pela Câmara Municipal de Sintra sobre «Coisas d’Árvores». A edição homenageia Mário de Azevedo Gomes e foi, originalmente, uma publicação dos «Livros do Povo – Noções de Tudo», de 1916. Num tom didáctico e com a dose suficiente daquela pronta consciência de inferioridade que por hábito nos caracteriza, ensina-se que não é bom o “...trato que a gente vê dar muitas vezes na nossa terra às árvores; mas já nos países mais adiantados em que o povo é mais instruído, e sabe distinguir melhor o que é fazer bem e o que é fazer mal, a árvore vai logrando de todos o respeito que merece.

As conferências – só pudemos assistir às três últimas – foram muito interessantes por mais do que uma razão. Os conferencistas eram conhecedores profundos dos assuntos que trataram e, melhor ainda, eram três vozes bem projectadas e três excelentes comunicadores. Que os serviços municipais responsáveis pela arborização pública local tenham organizado este ciclo com tal nível de oradores, para além de mais complementado por um conjunto de acções de formação dirigidas aos seus trabalhadores, é só por si uma óptima notícia, sobretudo tendo os intervalos sido acompanhados pela distribuição de queijadas frescas.

Naturalmente que ainda não recuperámos das podas, podas, e mais podas dos últimos meses, e que nos parece que a arborização pública tende aqui a ser débil e decadente, e a acção municipal errática. O que nos leva a outra faceta muito interessante destas conferências: o constante conflito entre arbofilia e arbofobia que tão bem revelaram.

Um dos conferencistas, António Fabião, referiu um inquérito feito aos lisboetas há uns anos, sobre a relação que mantinham com as suas árvores públicas, onde se concluiu que as árvores eram nominalmente muito amadas por todos, mas a maior parte não as queria ter à sua porta. É, em cheio, o “ódio aos arvoredos” de Alexandre Herculano, que invade as secretarias de presidentes e vereadores com queixas pelos prejuízos que os monstruosos vegetais infligem ao património privado de cada um e até à sua própria saúde – física e, provavelmente, mental. Ao ódio junta-se a ignorância que o pouco e mau contacto com a arborização urbana alimenta, levando muitos a acreditar que o mau tratamento das árvores públicas lhes é dispensado no seu melhor interesse.

Outra é a posição dos amantes de árvores, cujo afecto irracional e inexplicável vem acompanhado pela defesa informada da existência abundante de árvores, plantadas onde possam crescer, desenvolvendo-se livremente num território ordenado – como no Paraíso. Nestas conferências, o poder público estava a esforçar-se para propagar precisamente esta defesa informada. Mas é muito claro que a Câmara Municipal de Sintra emana dos próprios cidadãos que administra e que aqueles que em seu nome actuam partilham a ignorância e a sabedoria – o amor e o ódio também – que por toda a população se distribuem. Faz assim sentido o peso que teve a formação dentro dos próprios serviços, como faz sentido que grande parte dos participantes nas sessões públicas fosse feita de funcionários municipais, desde dirigentes técnicos a jardineiros, acompanhados por responsáveis políticos.

Agora, falta que esta vaga de esclarecimento se propague; que os fragmentados serviços locais se coordenem; que persistam no combate à ignorância, mesmo, ou mais ainda, nas suas próprias fileiras (o combate ao ódio será sempre coisa mais subtil); que a infeliz arborização dos espaços públicos de Sintra seja bem tratada e que planos de nova arborização façam tomar de verde os nossos largos, as nossas praças e as nossas ruas (não nos importamos que comecem pela nossa); enfim, que possamos dizer que está ultrapassada aquela lição antiga do livrinho de 1916.

domingo, 17 de maio de 2009

Arbofilia e arbofobia


Na guerra complexa entre amor e ódio às árvores que por estas terras se trava, e estando nós bem alinhados do lado dos enamorados, gostamos por vezes de nos comparar com as culturas mais arbófilas em busca de encorajamento. Até há pouco tempo era necessário viajar para lá dos Pirenéus para nos apercebermos da muito maior importância da arborização urbana noutros locais deste continente, mas hoje podemos, sem sair de casa, sobrevoar cidades inteiras com olhos de satélite e ver até que ponto somos diferentes.

Resolvemos trazer para um pequeno apontamento comparativo a mais arborizada das capitais europeias, Berlim (em modo bird's eye do maps.live.com). Escolhemos um fragmento de um bairro médio da nossa metrópole – um bairro que está longe de se contar entre os nossos mais áridos, como, por exemplo, a Portela de Sintra, de bom desenho urbano com origem nos anos 40 do século passado. Depois procurámos, ao acaso, um fragmento indiferenciado da periferia de Berlim, de aparência próxima em desenho, densidade, tipologias, volumes e, até, como a Portela, com um campo de futebol.

Portela de Sintra (Lisboa)

Reinickendorf (Berlim)

Em Reinickendorf as árvores estão por todo o lado, em espaços públicos e privados, cobrindo a maior parte do espaço livre com as suas copas. Na Portela de Sintra, à excepção da mancha do jardim no topo, aliás desastrosamente podada este ano, a pobreza arbórea é confrangedora - veja-se como os dois campos de futebol são envolvidos, um de alcatrão, outro verde luxuriante! Mas tentemos resgatar-nos escolhendo um outro exemplo que nos possa ser mais favorável, olhando antes para Olivais Sul, um dos nossos bairros mais arborizados. Façamo-lo então acompanhar por um equivalente berlinense e desanimemos de novo: face à opulência das árvores da Siemensstadt, no meio das quais flutuam os edifícios, que rala e desgraçada parece a verdura dos Olivais.

Olivais Sul (Lisboa)

Siemensstadt (Berlim)

O que se passa com esses berlinenses, que não se passa connosco? Viverão numa cidade tão mais soalheira do que a nossa que não se podem dar ao luxo de dispensar a sombra das árvores? Serão um povo tão destemido que não teme nem mesmo o tamanho natural de uma árvore adulta? Terão desenvolvido uma secreta tecnologia de canalizações, alicerces e pavimentos que os imuniza contra ataque maléfico das raízes? Disporão de sarjetas e algerozes mágicos que resistem ao entupimento? Terão os seus sofisticados automóveis e as estóicas cabeças dos seus cidadãos uma protecção única contra o gotejar das “resinas” e a queda traiçoeira dos ramos? Terão os seus malfeitores abdicado de se albergar na sombra profunda das copas para espalhar a insegurança? Terão os seus genes miraculosos ganho um invencível poder anti-alérgico? Ou talvez, apenas, gostem os berlinenses de viver junto de árvores, e nós nem por isso.

sábado, 9 de maio de 2009

Sombras decapitadas

Voltamos às “podas”. Como nos recorda o Paulo em comentário no amor e outros desastres, as sombras que no verão refrescavam as ruas em volta da estação de Sintra desapareceram e deram lugar a mais uma deprimente e incompreensível colecção de cotos:




Por outro lado, a consequência imediata e visível de podas que ocorreram na Portela começa a poder ser confirmada, com os tufos de nova folhagem dos choupos negros a rebentar desesperadamente onde quer que possam, em busca de alimento, tendo por resultado seres enfraquecidos, disformes e desproporcionados:


Entretanto, ao mesmo tempo que deparámos com mais uma onda de devastação praticada neste concelho – "Massacre em Queluz", onde a última imagem é da destruição de um grupo magnífico de tipuanas, uma espécie de árvore que nunca tínhamos visto "podada"– tomámos conhecimento do ciclo de conferências que tem as Árvores por tema, acompanhado por um ciclo de formação para funcionários autárquicos. Eis as sessões que faltam (aqui, os detalhes do programa):

12 de Maio 14h00 às 17h30: “A poda das árvores ornamentais”
Dr. Francisco Coimbra (Árvores e Pessoas)

19 de Maio 14h00 às 17h30: “A importância das árvores em meio urbano”
Prof. António Fabião (Instituto Superior de Agronomia)

2 de Junho 14h00 às 17h30: “Que árvores para Sintra?”
Dr. Luís Pedrosa (Instituto Superior de Agronomia)

sábado, 11 de abril de 2009

Mais "podas"

Dois pares de imagens para reforço da última mensagem, a primeira de cada par extraída do livemaps, a segunda tirada há poucos dias. O primeiro par em espaço público, no adro da Igreja de Santa Maria, o segundo em espaço privado, perto do Largo do Morais, no início da rua D. João de Castro:

Plátanos frondosos no adro da igreja de Santa Maria...

...cotos desgraçados de plátanos no adro da Igreja de Santa Maria.



Choupo vistoso numa casa particular perto do Largo do Morais...

...restos miseráveis de choupo na casa particular perto do Largo do Morais.

quarta-feira, 8 de abril de 2009

A amputação anual de árvores

Sintra, Igreja de Santa Maria

Todos os anos, entre o final do Inverno e o início da Primavera, nas ruas das nossas aldeias, vilas e cidades, funcionários municipais ou empresas privadas pagas com dinheiros públicos – como aconteceu este ano em Sintra – procedem à amputação das árvores. Muitos cidadãos fazem o mesmo nas suas propriedades. A isto chamam "poda", embora o processo não envolva árvores de fruto, nem seja necessário ao seu natural desenvolvimento. Muito pelo contrário.

Sintra, Igreja de Santa Maria

Qual a justificação científica, a ponderosa necessidade pública ou a superior razão estética? Não sabemos. Ano após ano, ficamos à espera que as entidades públicas responsáveis por estas campanhas se dignem a justificar a sua acção. Um dos argumentos mais populares – qual verdade cientificamente comprovada – é o das alergias que as nefandas árvores (não a poluição) provocam nos humanos. O problema é que, em rigor, a esmagadora maioria dos referidos humanos não faz a mais pequena ideia do porquê das suas alergias. Simplesmente, acha que… e, pelos vistos, câmaras municipais e juntas de freguesia também acham que… Curioso é que este é um problema de saúde pública intrinsecamente português. Noutras cidades europeias, por exemplo, tais rituais anuais são desconhecidos. O que nos conduz à hipótese dos portugueses, num alarmante défice de adaptação ao meio ambiente, nunca se terem habituado a conviver com árvores.

Sintra, bairro da Portela de Sintra

No caso de Sintra, mas não só, a proximidade da grande mancha florestal da serra e a existência de um fenómeno atmosférico chamado vento, torna ainda mais patética esta crença na resolução do pressuposto problema pelo corte das árvores que se encontram à porta de casa das vítimas. Totalmente compreensiva com a situação, partilhando mesmo da comum ignorância, os serviços da Câmara Municipal chegam ao ponto de o fazer sob pedido: basta observar como, numa mesma rua, certas árvores frente a certos edifícios são objecto destes cortes enquanto outras, mais à frente ou atrás, permanecem incólumes – por agora. Acima de tudo, estes massivos e dispendiosos processos de amputação – dos quais as principais vítimas são, por norma, os plátanos – enraízam na nossa frágil cultura cívica, científica e ambiental e, por isso mesmo, são um outro espelho de nós próprios. Saídos recentemente da ruralidade e ainda mal instalados na nossa recente urbanidade, não gostamos de árvores ou, pelo menos, apenas as toleramos desde que anualmente reduzidas a cotos ou, na melhor das hipóteses, a meia dúzia de ramos decepados.

Sintra, centro da Vila

O resultado não é apenas estético ou funcional: árvores que não se parecem com árvores mas com arbustos; árvores deformadas e raquíticas; árvores que não dão sombra sequer. É sanitário e cívico: árvores sujeitas a um processo de contínuo enfraquecimento, muito mais vulneráveis a doenças e que, por isso mesmo, morrem precocemente. Nessa altura, dando o pretexto para a única medida possível que deixa a consciência de todos sossegada: abater e, de preferência, não replantar. Afinal talvez seja esta a verdadeira razão pela qual, em Portugal, as árvores são anualmente sujeitas a isto. O que nos faz voltar à afirmação já feita: não gostamos de árvores e porque não gostamos de árvores preferimos passeios, ruas, avenidas, bairros e cidades totalmente despojadas delas. Com a vantagem de podermos estacionar os nossos automóveis nos lugares que elas antes ocupavam. Sonhamos, por isso, com um país atapetado de cimento.

domingo, 29 de março de 2009

Alexandre Herculano


É oportuno aqui citar um pouco mais longamente Alexandre Herculano (1810-1877). Em 1849, a propósito da oposição local encontrada por D. Fernando II à florestação da Pena, fala-nos do ódio meridional às árvores e descreve-nos a serra nua desses tempos. É um trecho das «Breves reflexões sobre alguns pontos de economia agrícola», do Tomo 7 dos Opúsculos (pode ser consultado em vários locais: por exemplo, aqui).

(...)

A que deve o Minho a frescura dos seus vales, os enormes produtos do seu solo, que não sofre comparação com as nossas terras fortes da Estremadura? A uma arborização admirável. O homem do sul tem ódio, literalmente ódio, não só às selvas, mas até à árvore solitária, que pode assombrar-lhe algumas padejas de cereais, porque os cereais são o ídolo que resume todos os seus afectos, embora a cruel experiência lhe venha provar, nos anos desfavoráveis à cultura das gramíneas, que o seu sistema acanhado e exclusivo conduz facilmente à miséria e à perdição.

Este ódio às matas e arvoredos tem-se tornado numa espécie de contágio, que vai lavrando e ameaça as províncias setentrionais. A Beira há muito que começou a ser despojada dos seus magníficos bosques, que por partes a tornavam rival do Minho. Os efeitos, porém, do destroço insensato dos grandes vegetais sentem-se principalmente na Estremadura, e sobretudo neste tracto de terra entre dois mares, onde se acha situada a capital. Os vapores, que as árvores, povoando os cimos dos montes, atrairiam para os vales, não descem á terra: os ventos do norte, precipitando-se livres dos visos calvos das colinas, fustigam as encostas do sul, remoinham nas planícies, e não consentem sequer que o orvalho console à noite a vegetação devorada pelo sol do meio-dia. Na verdade, a aridez dos campos na estação estival pouco importa ao cultivador exclusivo de cereais; mas quando causas desconhecidas impedem, durante o Inverno, o curso dos ventos chuvosos, quando o verão vem substituir-se ao Inverno, não sabemos se como castigo se como advertência, então ele maldiz essas torrentes de ventania, que produzem mais secura em vinte e quatro horas do que três dias de sol ardente. Maldi-las, sem se lembrar ou sem saber, que seus pais e ele próprio contribuíram para a existência de semelhante flagelo pela destruição das matas, ou, quando menos, pelo descuido no plantio delas.

O ciúme cego com que a menor leira de terra arável é disputada aos arvoredos, por causa do predomínio exclusivo dos cereais, explica indirectamente esse furor com que são perseguidas as árvores, até nos sítios mais inférteis, com que se lhes disputa a vida até por entre as penedias das serras.

(...)

Em Sintra, por exemplo, cujos antigos bosques desapareceram há muito, e onde a cepa já começa a escassear, como é fácil de conhecer à simples inspecção do terreno correndo os recessos da serra, os habitantes daqueles contornos deviam, por muitas razões, mas sobretudo por causa do combustível, forcejar para que os cimos escalvados das cordilheiras se povoassem de pinhais ou de soutos e devesas de outras arvores, que esses magros terrenos consentissem. Independentemente das influências, que a nudez ou o selvoso daqueles escarpados rochedos possa ter na cultura dos campos vizinhos; ainda sem atender a que Sintra perde de dia para dia, pela devastação dos grandes vegetais, os encantos que aí atraem os felizes do mundo, e que por longos anos tem sido para os povos dos arredores um manancial de prosperidade; ao menos a consideração de que a falta de um dos objectos mais necessários à vida, igualmente indispensável para o rico e para o pobre, vai em sensível progresso, devia conduzi-los a reconhecer que a arborização da serra é reclamada talvez já pelo interesse da geração actual, e sem duvida pelo das gerações que hão de vir.

(...)

S.M. El-Rei pretendeu aforar uma porção das cumeadas da montanha de Sintra contíguas ao parque da Pena. Aquela porção de terreno ingrato e calvo era destinado à sementeira ou plantio de um bosque que cobrisse de verdura e de vida uma pequena parte dessa ossada de rochedos, que se vão prolongando até a beira do oceano.

Muitos moradores das aldeias circunvizinhas viram, porém, neste empenho uma calamidade. O maninho era ameaçado nos seus direitos inauferíveis, o dorso dos penhascos ofendido na sua pudibunda nudez. Realmente o caso era grave. Agitou-se tudo, protestou-se, requereu-se. A urze e o piorno acharam logo advogados contra o pinheiro orgulhoso, contra o luxo da vegetação. Isto é absurdo e incrível. A celebre frase «creio porque é impossível» não tem só aplicação aos mistérios do céu; tem-na às misérias da terra.

(...)

Na história, na literatura, nos documentos, achareis testemunhos frequentes e irrecusáveis de um facto. Sintra foi por séculos a montanha das selvas. Onde estão estas? Caíram sob o machado da imprevidência. Os estevais seguiram-nas. Agora revolve-se o chão para arrancar algumas raízes. Que arrancarão as gerações futuras? Pedras?