sábado, 27 de março de 2010

Sintra na Ajuda (em vez de “Efeméride”)


Onde estávamos nós com a cabeça? Queríamos ter celebrado pontualmente o nosso primeiro aniversário (este blogue foi iniciado no dia 25 de Março de há um ano), mas parece que teremos de nos guardar para o segundo, que felizmente é só daqui a 363 dias.

Vamos ao que interessa: o Palácio da Ajuda sobrevive um pouco decadente num recanto condizente da cidade. Embalados pela recente distinção recebida por Lisboa – a de Melhor Destino Europeu, na qual os votantes que a elegeram se afirmam extasiados com a sua “autenticidade” e “genuinidade” – subimos a calçada desleixada e atravessámos os fragmentos descosidos de cidade até ao grande edifício fanado e para sempre inacabado, repetindo para nós próprios que tudo aquilo era realmente autêntico e genuíno.

Visitámos, uma a uma, as salas visitáveis do palácio, coisa sobre a qual não nos podemos deter muito tempo – não nos queremos afastar muito dos temas sintrenses e correr o risco de expulsão da comunidade de blogues temáticos que têm Sintra por tema.

Enfim, sintrómanos inveterados como somos, uma visão súbita acelerou-nos o coração e aqueceu-nos o sangue: aproximando-nos do vão que separa a Sala de Mármore da Sala Rosa, deparámos com esta pintura na almofada da porta, implorando pelo clique furtivo de um telemóvel. Deve ter sido pintada por altura da ocupação da Ajuda por D. Luis I, nos anos 60 do século XIX. Pareceu-nos não só que tínhamos de a trazer para aqui, como também que era uma forma possível de comemoração atrasada: eis uma Pena um pouco tenebrosa enfeitiçando o Palácio da Ajuda, gravada na almofada da porta de uma pequena sala desse palácio que D. Fernando II detestou.


quarta-feira, 24 de março de 2010

História do Infeliz Cavaleiro Sintram

Albrecht Dürer, Cavaleiro, Morte e Diabo (1513)
Imagem em Wikipedia, aqui

No Verão passado, a propósito de uma nossa mensagem sobre Neuschwanstein, o RS chamou-nos a atenção para certo vitral desse palácio, que recordava um outro na Pena. O vitral bávaro retrata o Cavaleiro Sintram, uma criação literária de Friedrich de La Mote-Fouqué. Com um nome destes, um tal cavaleiro merece a nossa atenção sintrense.

Friedrich de La Mote-Fouqué, um alemão descendente de refugiados huguenotes, escreveu a sua novela em 1814, a meio de uma carreira literária concentrada no primeiro quartel do século XIX. A Ondina , de 1811, foi o seu maior sucesso, mas toda a sua obra lhe trouxe grande e efémera popularidade. A crítica alemã considera-o um autor menor e não há muitas edições recentes da sua obra – a biblioteca do Goethe Institut de Lisboa, onde o cânone de língua alemã está bem representado, ignora mesmo a sua existência. Já no mundo virtual é fácil encontrar o Sintram e os seus Companheiros e outras obras em acesso livre, sobretudo em tradução inglesa – os anglo-saxónicos deliciaram-se durante muito tempo com Fouqué e quem quiser explorar o Sintram a fundo até tem uma Sinfonia Sintram do americano George Templeton Strong, de 1912.

O Sintram tem, para nós, um factor adicional de interesse: foi concebido a partir de uma fascinante gravura de Dürer, Cavaleiro, Morte e Diabo (Ritter, Tod und Teufel), de 1513. Infelizmente, a novela e o seu mundo fora de moda é menos interessante do que a gravura e talvez os críticos tenham razão. O mundo de um livro estar dentro ou fora de moda é irrelevante, claro, para a exaltação literária que nos pode provocar como leitores (somos fanáticos de Jane Austen!), mas é inevitável admitir que a magia da perfeição está ausente dos solavancos pálidos de Fouqué.

Ainda assim, há muitas centelhas para gozar neste livro, e os Românticos encontrarão muitos motivos para a sua leitura. Logo no primeiro parágrafo, um Sintram de doze anos irrompe numa reunião de cavaleiros em Drontheim, no castelo do seu pai, Biorn dos Olhos Ardentes, gritando: “Cavaleiro e Pai! Pai e Cavaleiro! A Morte e mais Outro, horríveis, perseguem-me outra vez!”, um início dramático que ecoa repetidamente novela fora, ao longo de maldições, paixões proibidas, heroísmo e expiação. A Morte e o Diabo perseguirão Sintram ao longo de muitos anos sombrios e gélidos, sempre envoltos nos Invernos do Norte, até um clímax final que replica com exactidão a gravura de Dürer: Sintram enquanto cavaleiro no meio da vida, cavalgando indiferente junto dos seus companheiros sobrenaturais.

segunda-feira, 22 de março de 2010

Obituário





Eucalyptus obliqua, plantado no dia do casamento de D. Fernando II com a Condessa d’Edla, a 10 de Junho de 1869, caído num dia incerto do Inverno de 2010, poucos meses antes de completar 141 anos.

Cresceu sobre a linha de água da Feteira da Condessa, resistiu ao ciclone de 1941 e, na década seguinte, com 85 anos, atingiu os 2 metros de diâmetro e os 40 de altura. Viveu num canto remoto onde não atraía atenções. Ainda assim, há sete anos, foi homenageado com uma placa que recordou a sua origem notável.

Eram necessárias cinco pessoas para abraçar o seu tronco, o mais grosso de todos os troncos da Pena. Ao tombar, devastou todo o pedaço de parque que se estendia no seu caminho, até os seus ramos mais altos tocarem as estufas arruinadas. Jaz atravessado de poente para nascente – o sentido para onde caiu. Enquanto o seu corpo colossal aí permanece, merece ser visitado uma última vez.

Agora, pode-se perguntar à Parques de Sintra qual o destino a dar ao monumento caído e o que fazer deste lugar. Porque não preservar uma secção do grande eucalipto no Chalet da Condessa? E porque não plantar um novo Eucalyptus obliqua no sítio exacto do antigo, esperando que viva, pelo menos, até ao meio do século que vem?

(notícias sobre este assunto no Fluir de Espumas, no Rio das Maçãs e no Beijo da Terra)

quarta-feira, 17 de março de 2010

As Magníficas Coníferas no Botânico

Imagem em Wikimedia Commons, aqui

Esta é uma boa notícia para todos aqueles que, como nós, se perdem na profusão de ciprestes, zimbros, tuias, abetos, cedros, pinheiros, teixos, criptomérias, espruces, sequóias, taxódios, tsugas, pseudo-tsugas e lárices de Sintra, nunca sabendo exactamente quem é quem.

Pois o Jardim Botânico de Lisboa oferece-se para nos apresentar as magníficas Coníferas, para que possamos passar a reconhecer cada uma delas quando nos cruzamos na rua, dirigindo-nos a todas pelo seu nome e talvez mesmo tratando-as por tu. O programa chama-se Laços de Família e pode ser consultado aqui. No próximo Domingo, dia 21, comemora-se o início da Primavera com a primeira sessão coníferica (às 10h em inglês, às 11.30h em português), com partida da entrada do jardim. A segunda sessão será na quarta ou domingo seguintes, seguindo-se, até Maio, as Euforbiácias, as Compostas, as Mirtáceas e as Moráceas. Ficaremos dotados de uma rede de relações fieis e incomparáveis que nos acompanharão até ao fim da vida, ou até mais tarde ainda.

quarta-feira, 10 de março de 2010

Padreiro Psicadélico





O Dias com Árvores (nos comentários de um seu poste recente) sugere que tratemos o Acer pseudoplatanus por “Padreiro”, um nome vernáculo que substitui com vantagem o reprovável “Plátano-Bastardo”. Decidimos que era uma boa sugestão (o demasiado genérico “Ácer” ainda nos agrada mais – mas dá-se o caso, precisamente, de ser genérico demais).

Pois em Sintra os padreiros dão-se lindamente, ao ponto de parecerem ser a única espécie de folha caduca a conseguir concorrer – ainda que debilmente – com as acácias e os pitósporos, no concurso para a odiada categoria das invasoras mais relapsas (estes pitósporos, aliás, também estavam a precisar de um nome menos clínico; mas adiante).

Pelo meio do eucalipto-pinhal enfadonho que cresce do lado errado da Tapada do Inhaca – o lado em que não está o Castanhal da Rainha, o lado esquerdo de quem sobe a Calçada da Pena – padreiros jovens e rebentos bebés em padreiros mais idosos anunciam por aqui a Primavera, com folhas infantis de um verde um tanto psicadélico à luz do sol de Março.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Vistas da Época

Algumas vistas da Pena apenas são possíveis no Inverno. Quando as árvores adormecidas voltam a acordar, cerram-se os tectos dos caminhos e o palácio volta a desaparecer atrás das copas. Por isso, não nos sobram muitos dias para as apreciar. Aqui está a Pena a partir do poente, logo após a estrada alcatroada da Pena se tornar calçada, atrás de um bosque quase a despertar:


Aqui, a Pena vista do norte, da encosta do Castelo dos Mouros, enquanto os plátanos não abrem os olhos:


E aqui uma vista nascente, de quem sobe ao Pinhal do Prior, a meio caminho entre a Calçada da Pena e Santa Eufémia. É uma vista que não depende realmente da estação do ano, mas completa as outras duas; foi descoberta após os cortes recentes da mata e revelou um palácio entre os tufos de trepadeiras, empoleiradas no alto dos pinheiros:

terça-feira, 2 de março de 2010

Conto de Inverno (III): A Batalha do Castanhal


Era uma vez, mais uma vez, o Castanhal da Rainha. Desta vez, trata-se da guerra sem quartel que se trava pela supremacia no bosque. Somam vitórias os castanheiros, claro, e enquanto assim for este reino será chamado Castanhal. As batalhas deixam no seu rasto os restos das árvores mortas em combate, enquanto ao lado crescem as novas colonizações de Castanea sativa.

Há tempos, houve aqui uma vítima especial – por favor, não nos acusem de voyeurismo mórbido, mas deixámo-nos deslumbrar pelo cadáver de um pinheiro. Fotografámos sem parar os restos do seu corpo contra a névoa de uma manhã fúnebre deste novo ano. Ficou suspenso na queda, nem exactamente morto de pé, como as árvores, nem exactamente jazente, como esperamos nós próprios um dia vir a estar.




Pode imaginar-se que, em vez de acabar de cair, este pinheiro poderoso está a meio caminho de se levantar, como num desses filmes de horror muito repetitivos. Que enterrará mais uma vez raízes novas na terra, que se armará de vida e que regressará para uma nova batalha contra os castanheiros triunfantes, sorridentes e cheios de si. Castanheiros indiferentes a mais outro pinheiro morto no meio do Castanhal.

segunda-feira, 1 de março de 2010

«P» de Podar?


Os plátanos da Rua Consiglieri Pedroso, entre o Turismo e o Hotel Lawrence’s, estão entre as árvores marcantes do centro da Vila de Sintra. São 7, embora de um deles apenas reste um tronco moribundo que já devia ter sido substituído por um novo exemplar. Nos restantes 6 apareceu, pintada com tinta amarela, a letra P. Tememos estar na véspera de mais um episódio de destruição a que por cá se chama poda e pedimos por escrito à CMS informação sobre o assunto. Aguardamos uma resposta.