Mostrar mensagens com a etiqueta Corte de Árvores. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Corte de Árvores. Mostrar todas as mensagens

domingo, 14 de novembro de 2010

À Espera




Numa manhã de sol de Novembro o incensal continuava à espera de ser comprado. Assim permaneça séculos e séculos.

sábado, 21 de agosto de 2010

Mais Sobre o Incensal


A mata dos pitósporos não descansa. Uma nova imobiliária afixou o seu “Vende-se” e, desta vez, pode consultar-se facilmente o preço – 480 mil – e antecipar um pouco do seu destino provável:

Terreno situado em Sintra, na Quinta do Arrabalde, em plena Serra, com vista excepcional e desafogada em direcção à Vila de Sintra e ao mar e com muito arvoredo. Foi apresentado na Câmara um pedido de informação prévia para a construção de moradia com a área de implantação de 353 m2 e mais 90 m2 de anexos, com a área bruta de construção de 604 m2 mais os 90 m2 de anexos.

Entretanto, a mata tem emagrecido. A parte mais alta, talvez a que vai receber os 604m2, está cada vez mais despida. A princípio parecia que o objectivo desses cortes era apenas afastar toda a vegetação da casa vizinha, uma dessas novas moradias sintrenses desarborizadas que parecem quere fazer esquecer o local onde se erguem e os trabalhos das anteriores gerações de dendrófilos. Mas talvez se trate mesmo de abrir um espaço agradável ao betão armado.

Esperamos que se mantenha alguma coisa da mata inferior – ficaremos apenas entregues à qualidade dos novos proprietários, já que a gestão urbanística municipal não se tem destacado por proteger a arborização pública e privada da vila, ao contrario do compromisso que assumiu com a classificação patrimonial de Sintra.

sábado, 17 de julho de 2010

Vende-se Incensal, para Construção


Ainda a propósito do Pittosporum undulatum: há alguns meses havia uma placa a anunciar a venda de um terreno para construir, na esquina da Conde de Seisal com o Caminho da Alba Longa. Há muito tempo, alguém plantou pés de árvore-do-incenso ao longo dos caminhos que percorrem este terreno em encosta suave, talvez à espera de obter um recanto para passear entre arbustos aromáticos. Mas desde pelo menos os anos oitenta que conhecemos esta esquina abandonada, coberta por uma massa densa de pitósporos de dez ou mais metros de altura, contrastando com lotes construídos, domesticados e pouco arborizados em volta.

Esta pequena mata tinha – e ainda tem, mas não por muito tempo – o muro que a cerca derrocado. Estava e está ainda sujeita a ser trespassada por intrusos que podem despejar lixo furtivo ou deliciar-se na sombra das folhas onduladas que ali dominam, acompanhadas no Verão pelas de um ou outro ácer (dos que se fazem passar por plátanos). Aqui estava ela na Primavera que passou:



Com a placa “vende-se” já desaparecida, o sono de décadas do incensal foi há poucos dias interrompido por serras que se lançaram a por a selva em ordem, adelgaçando a mata e, provavelmente, preparando-a para um futuro mais urbanizado. Aqui está agora a terra do seu chão a ver-se pela primeira vez na nossa vida sintrense e os despojos dos cortes amontoando-se ao sol que aqui voltou a penetrar:


quinta-feira, 10 de junho de 2010

Em Busca das Aveleiras Perdidas (II)


A consulta da Carta Cadastral (seleccionar a secção V) mostrou-nos claramente que o muro Tapada dos Bichos seguia colado à Capela de Santo António e que não se entrava nessa quinta sem querer. Assim, numa segunda jornada, repetimos o mergulho no coração das trevas e passámos ao largo Capela e da porta meio arruinada, também ela descrita na Monografia, que convida a atravessar a propriedade vizinha e a chegar num pulo à Estrada da Pena.

A subida ao longo do limite poente da Tapada é bastante mais árdua e desolada: faz-se sobre silvas, resvalando nos detritos traiçoeiros deixados pelo desbaste. Os cortes foram aqui radicais e a mancha desarborizada é muito extensa. Compensando a aridez deste esforço, têm-se magníficos panoramas sobre o Castelo e a Pena. Olhando para o chão, no entanto, vêm-se exércitos bebés de Acacia melanoxylon anunciando um futuro sombrio.


quarta-feira, 7 de abril de 2010

A Lua em Sintra




Podia ser o titulo de uma mensagem poética sobre as noites límpidas de Abril, mas o que queríamos era falar de pedaços da Serra – pior, pedaços do Parque da Pena – cortados e tornados áridos e desolados como a lua. Este aqui situa-se na extremidade nascente do parque, muito perto de Santa Eufémia. Quem se recorda do que aqui existia antes? Há tufos de pitósporos e acácias a despontar, por isso acreditamos que eram terras colonizadas por estas árvores demasiado apaixonadas por Sintra.

Em todos os casos de cortes radicais que se têm observado pelos parques e tapadas, temos sempre reacções ambivalentes. Reconhecemos a importância de suster a expansão de certas espécies enquanto lamentamos a perda da exuberância antiga, seja de que espécie for. E, enquanto nos tentamos consolar com os benefícios longínquos que os nossos netos poderão um dia gozar, tememos sempre que o trabalho fique a meio e que em pouco tempo tudo volte a ser pitosporal e acacial, apenas mais imaturo e com uma temporada longa de paisagem lunar de permeio.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Um Lugar Para Lamentar


Um cenário de chuva, vento e frio é o mais indicado para se falar do corte das tílias do Largo 1º de Dezembro, em São Pedro. Esta fotografia, captada num momento de alegria no trabalho, foi-nos enviada por um sintrense e já foi reproduzida numa mensagem do sempre atento Rio das Maçãs.


O largo forma uma ilha triangular, com dois lados maiores que rondam os 30 metros. Está mesmo a pedir cinco ou seis árvores, em cada um dos vértices e ao longo dos lados maiores, formando um tecto largo e espesso de folhagem. E, de facto, há muito tempo, gente iluminada plantou cinco tílias que, muito tempo depois, tornaram-se grandes tílias maduras de grandes sombras. O corte recente de dois destes velhos exemplares foi um golpe sério na massa de ramos e folhas que cobriam o largo, tendo-lhe retirado a força que ainda se pode ver numa consulta ao Google Maps:


Das cinco, passámos a ter apenas três tílias respeitáveis e uma criança esgalgada, entretanto plantada Há uns dias foi a vez do vértice que faltava, deitado a baixo com o argumento de que “estava doente”. E, para que as duas tílias antigas que ainda sobraram possam também ficar doentes rapidamente, dando alegria e trabalho a mais um cortador de árvores, foi feita uma dessas podas mortíferas tão populares entre nós.

No ciclo sintrense de conferências sobre árvores a que assistimos há uns meses, ouviu-se uma referência a estas árvores, descritas por um técnico municipal como “um perigo”. Se acções do nosso município como este corte de árvores, tão lesivo da sua paisagem urbana, apenas fossem levados a cabo com acompanhamento e participação dos seus cidadãos, tais cidadãos desconfiariam menos dos “perigos” e das “doenças” alegadas e poderiam ser menos desconfiados, críticos e amargos do que nós próprios estamos aqui a ser. E, se se quisesse construir uma relação de confiança entre os sintrenses e as suas autoridades públicas, seria bom saber desde logo qual o destino que se planeia para este largo. Saber se, por exemplo, a ideia é valorizar as bonitas placas de trânsito e o elegante estacionamento que enfeitam o local.

Enfim, para terminar o desabafo de um tempo chuvoso, ventoso e frio, aqui estão mais umas imagens fúnebres de um largo outrora carregado de espírito de Sintra, agora apenas mais um lugar para lamentar.




terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Descintrificação (II)


A fotografia da esquerda foi tirada na Primavera, para ilustrar a decadência da arborização pública de Sintra: um alinhamento que em tempos fora de oito lódãos estava reduzido a cinco. Marcados no chão estavam os vestígios dos exemplares erradicados e nunca substituídos, enquanto a árvore morta em primeiro plano aguardava em silêncio que a levassem dali. Seis meses passados, o novo retrato à direita mostra que os cinco lódãos se tornaram agora apenas três. Receamos que rapidamente estes três se tornem nenhum e que esta rua passe a depender apenas das plantações privadas atrás dos muros em volta para não se tornar inóspita.

O verde mágico de Sintra deve muito à casas e quintas particulares que o cultivam, mas o espaço público, em particular os seus arruamentos arborizados, também são responsáveis por uma parte importante deste seu carácter. É evidente, no entanto, uma degradação progressiva que se exibe quer nas podas violentas (que referimos aqui, aqui ou aqui), quer nas mortes prematuras a que os maus tratos conduzem, quer na pura eliminação seguida de calcetamento rápido, ao jeito de encobrimento das provas de um crime. Os observadores atentos podem contar muitos casos de árvores desaparecidas e muito poucos de árvores de novo plantadas nas ruas desta vila.

Vejam-se estas duas imagens, da Rua D. João de Castro:




Nesta troço da rua em tempos arborizado alguém decidiu que os plátanos não devem ter copas, que as suas raízes devem ser amorosamente agasalhadas sob cimento e alcatrão e que nos céus devem reinar, em vez de ramos e folhas, fios eléctricos e telefónicos (ao centro, compondo a vista, um choupo privado decepado já pela segunda vez este ano). Que o fundo verde da fotografia não nos iluda: caso a atitude presente em primeiro plano se propague, rapidamente toda a encosta se assemelhará a um desses bairros calvos de moradias que cresceram ilegalmente à volta de Lisboa, aqui apenas com arquitectura mais sofisticada.

Porém, se nos deslocarmos alguns metros nesta rua para norte, ainda podemos deixar-nos consolar pelas últimas folhas das tílias que aqui a ladeiam. São sobreviventes de antigas mutilações severas que, nos últimos anos, têm sido misericordiosamente deixadas em paz. Suspiramos por uma rua assim ao longo de toda a sua extensão e por muitas ruas como esta onde hoje apenas há asfalto com calçada e cotos de árvores cortadas.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Descintrificação (I)


A Sintra luxuriante dos nossos dias, tão diferente da que Herculano descreveu há século e meio, deve muito a uma migração de culturas dendrófilas norte-europeias, que aqui se aclimataram com resultados que hoje vemos como a quintessência sintrense – desde logo, à cabeça, a germânica Pena, seguida do seu irmão britânico menor, Monserrate. Mas as recriações do Jardim do Éden não se ficaram pelas grandes escalas: foram generalizadas com várias intensidades e diferentes sucessos, desde a grande quinta histórica à casa de bonecas com o seu pátio de um palmo.

Foi e continua a ser o conjunto de acções de múltiplos proprietários inspirados, com os seus parques públicos ou privados, a fonte primeira desse deslumbrante equilíbrio de paisagem que conhecemos, em parte edificada, em parte natureza domesticada, em parte quase selva. Porém, quando estes proprietários são contaminados pelo ódio meridional à arborização séria e perdem o sentido dos seus deveres e da sua responsabilidade, os resultados são desastrosos: Sintra descintrifica-se.

Na base das escadinhas de Santa Maria havia uma casa no meio do seu jardim-selva, próprio de um local há muito tempo em quase abandono. Precisava de quem tratasse dele, é certo, mas o recanto, para quem passava nos caminhos em volta, era um gosto de sombra e verde saturado. Há poucos anos a casa foi comprada por diplomatas, cremos que vindos de um lugar hispânico – talvez o deserto de Sonora, talvez o de Atacama, talvez um pedaço dos mais estéreis de Castela Nova ou Aragão. Atarefaram-se em obras na casa e no jardim, e o resultado foi este:


Não gostamos dos detalhes decorativos, mas é mera questão de gosto, tal como o são, de outro modo, o pavilhão de churrasco e a piscina. Mas arrasar toda vegetação e cobrir o chão de lajes em forma de calçada calcária é puro crime lesa-Sintra para o qual não há perdão. Um sítio magnificamente sintrense transformou-se assim num sítio desgostoso a evitar. A única réstia de esperança está agora na placa “vende-se” pendurada após a devastação. Roga-se aos futuros proprietários um pouco mais de sensibilidade e algum reconhecimento pelo lugar único que lhes será permitido partilhar. Plantar um jardim-bosque que merecesse Sintra seria um bom começo.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Quinhentos metros a nordeste do Tapete Verde


Hubert Robert (1733-1808). Le Bosquet des Bains d’Apollon, c.1775. Óleo sobre tela, 67 x 101 cm. Lisboa, Museu Gulbenkian.

Em 1778, Hubert Robert (1733-1808) foi nomeado Dessinateur des Jardins du Roi, por Luís XVI (1754-1793). Um ano antes, o artista apresentara no Salon, com grande sucesso, as suas Vues des Jardins de Versailles dans le Temps qu’on en abattait les arbres, que deram ao público parisiense um vislumbre do grande projecto de Luís XVI que visava transformar os ordenados jardins de Versalhes numa floresta selvagem – numa passagem da natureza controlada à natureza liberta, muito de acordo com as ideias dos philosophes (especialmente Jean-Jacques Rousseau) e com o modelo do parque inglês – que se traduziu, por exemplo, no abate e replante de cerca de duzentas mil árvores nos Invernos de 1774-75 e 1775-76. No Museu Gulbenkian podemos ver dois admiráveis estudos para essas obras (hoje no Palácio de Versalhes): Le Tapis Vert, com que iniciámos este blogue, e Le Bosquet des Bains d’Apollon, pintados provavelmente em 1775.

Nas suas funções, Hubert Robert não se limita a representar o que vê. Intervém no mundo visual: imagina e cria o que de outra forma não seria possível ver. No Parque de Versalhes, como pintor e decorador, concebe vistas, elabora cenários, compõe espaços, escolhe e instala esculturas e obras diversas. O seu trabalho é um misto de pintura, decoração, instalação e comissariado artístico, cruzando meios, géneros e matérias. Exemplo disso é a Grotte des Bains d’Apollon – que recria o Palácio de Tétis – onde Robert reinstalou três grupos escultóricos de artistas franceses do século XVII. Rochas, árvores, água e invisíveis sistemas hidráulicos combinam-se com esculturas classicistas para criar uma obra complexa e fantástica. Um pedaço da desejada natureza selvagem, artificial e ilusória. Uma obra de land art muito antes desta existir.

Hubert Robert (1733-1808). Le Bosquet des Bains d’Apollon, 1803. Paris, Musée Carnavalet.

Ao contrário da tela que o artista pintou em 1803 e que se encontra hoje no Musée Carnavalet, em Paris, O Pequeno Bosque dos Banhos de Apolo não nos dá a ver o resultado final – terminado somente em Setembro de 1780 – mas o seu processo. A pintura encena uma visão dos trabalhos neste sector do Parque, cerca de quinhentos metros a nordeste da vista proporcionada pelo Tapete Verde, mostrando-nos o corte das árvores e o desmantelamento dos jardins, as visitas de inspecção da família real e uma das esculturas, Tritões com os Cavalos de Apolo (c.1670), de Gaspard Marsy (1624/25-1681) e Balthazar Marsy (1628-1674), antes da sua transferência definitiva para a gruta de maravilha – onde ficará à esquerda do grupo central.

Le Bosquet des Bains d’Apollon, Parque do Castelo de Versalhes (fonte: wikipedia).

Quinhentos metros a nordeste d’O Tapete Verde (mas para nós, dentro da sala do Museu Gulbenkian, ali logo ao lado), Robert, pintor de ruínas – que é como quem diz, de desolações e melancolias – mais fingidas que reais, mostra-nos uma ruína natural: um pedaço destroçado do velho parque de Luís XIV (1638-1715) e André Le Nôtre (1613-1700). Mas também os preparativos para a sua reconstrução – também como ruína (pois o que é uma gruta senão um arruinado, ou erodido, pedaço de rocha?). Ruína e transformação: a obra, tal como a vida de Hubert Robert, desenrola-se entre estes dois pólos. Tempos de convulsão, tempos de revolução, tempos de transição. Porque será que estas obras surtem em nós uma tão forte, familiar e íntima atracção?

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Apontamento


Apenas um apontamento: uma imagem (retirada do maps.live.com) do local de que falávamos na última mensagem, junto da Estrada da Pena, na Tapadas dos Bichos, antes dos cortes. Para comparação.

sábado, 30 de maio de 2009

Parques de Sintra e participação pública: a propósito de outra mancha desarborizada

Vista do Castelo



Vista da Estrada da Pena

Vê-se bem do Castelo dos Mouros a mancha desarborizada de que aqui demos conta há umas semanas. Trata-se do derrube de muros e do corte de árvores na Tapada dos Bichos, do lado esquerdo de quem sobe a Estrada da Pena, próximo do cruzamento dos Capuchos, um dos troços que se contavam entre os mais frondosos deste caminho. Ao nosso pedido de informação, recebemos esta resposta da Parques de Sintra, subscrita pelo presidente do seu Conselho de Administração, António Lamas:

«Quanto às aberturas praticadas no muro da Tapada dos Bichos que referem, esclareço que foram necessárias para a remoção das ramadas e troncos das árvores resultantes das limpezas efectuadas nesta zona. Após conclusão dos trabalhos estas serão de novo fechadas, mas uma será, provavelmente, transformada em portão, de modo a proporcionar um caminho pedonal através da Tapada até ao parque de estacionamento dos Lagos. Esta iniciativa faz parte do alargamento da rede de caminhos pedonais que, partindo da Vila, permitam alternativas ao uso da Calçada da Pena.»

Apreciamos este aparentemente simples facto: recebermos respostas rápidas às nossas interrogações, distante da cultura autista da nossa administração pública. Mas gostávamos ainda mais de não sermos sobressaltados a cada passo por mais um acto consumado: mais motosserras em frenesi em mais uma encosta e mais uma mancha florestal “limpa”. Vai ser substituída? Por um estacionamento? Por uma estrada? Por um parque de diversões? Por um condomínio residencial? Por carvalhos, faias e castanheiros? Quando, como, porquê e mais todas a perguntas que interessam a quem se interessa?

Aqui chegamos ao grande pecado da Parques de Sintra, gestora deste nosso património. Se há um plano que guia as suas acções, ele já deveria ter sido tornado público, já deveria ter sido sujeito a discussão e já deveria ter sido – necessariamente – ajustado em resultado dessa discussão antes de tomadas decisões finais. Aqui, a Parques de Sintra assemelha-se mais à velha administração pública (ou a uma empresa de interesse privado). Não acreditamos em entidades infalíveis e benignas, nem nos bons povos dóceis e agradecidos. Estamos convencidos de que os resultados do trabalho da Parques de Sintra seriam melhores e mais reconhecidos se se fundassem em participação pública séria, e cabia à Parques de Sintra a obrigação de a dinamizar – afinal, o que se está a passar nesta Serra, com os milhões anuais que agora aqui se derramam, pode bem ser o mais intensivo e radical conjunto de transformações desde os tempos fundadores de D. Fernando II.

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Obras pela Serra

Há já algumas semanas que decorriam obras em edifícios abandonados dos parques e tapadas públicas da Serra. Hoje vimos que foram colocadas placas identificadoras dos trabalhos e descobrimos que a Casa da Lapa, uma das duas antigas casas das Matas Nacionais na Calçada da Pena, junto ao início do caminho para Santa Eufémia, está a ser convertida em Centro de Acolhimento para Visitas Pedonais ao Castelo dos Mouros e Parque da Pena:


A Casa do Guarda do Portão dos Lagos será um Centro de Acolhimento de Visitantes da Zona dos Lagos e Feteira da Condessa:


Por fim, a Casa do Guarda do Castelo dos Mouros, na menos utilizada das três entradas da Tapada do Castelo, deverá tornar-se um Centro de Interpretação Ambiental:


As intervenções nos edifícios históricos são talvez das acções mais visíveis e mais unanimemente aplaudidas da nova gestão da Parques de Sintra e vemos com muita satisfação chegar a vez da recuperação dos "edifícios menores".

Entretanto, mais transformações, desta vez no coberto vegetal e ainda sem qualquer identificação, deixam-nos mais perplexos e motivam novo pedido de informação aos gestores dos parques. Uma, exactamente em frente da obra da Casa da Lapa, já na Tapada do Inhaca, consistiu numa abertura do muro, no corte de toda a vegetação rasteira e na cobertura do solo com madeira triturada:


Outra adjacente à Estrada da Pena, muito próxima do cruzamento para os Capuchos, um troço outrora em sombra profunda onde agora se pode ver um sério pedaço de desarborização:


domingo, 5 de abril de 2009

A auto-estrada dos Capuchos


Em Janeiro deste ano, a polémica em torno do corte de árvores nas tapadas e ao longo das estradas da serra deu origem a um conjunto de notícias no Público. Assim, no dia 23 soube-se que «Corte de árvores na serra de Sintra suscita dúvidas técnicas – Associação de Defesa do Património de Sintra vai questionar o ministro do Ambiente sobre exagero da intervenção em área protegida». No dia 24, «Corte de árvores na serra de Sintra sem “desconformidades”, diz ICNB». No dia 25, «Associação de Defesa do Património de Sintra quer que o parque natural volte a ter gestão própria» e, por fim, no dia 28, um ponto final majestático: «Ministro do Ambiente elogiou corte de árvores “infestantes” na serra de Sintra».

Em torno da estrada dos Capuchos, ao longo da tapada da Pena, o espectáculo não podia ser mais brutal. De caminho encerrado em vegetação madura e densa passou-se para algo como uma plataforma preparatória para a construção de uma auto-estrada. À faixa de dezenas de metros arrasados junta-se a espécie de estepe em que foi transformada a Tapada do Mouco, próxima do arco que a liga à Pena. Qual é o objectivo da destruição e qual vai ser o futuro destes terrenos devastados?

Uma coisa é controlar o crescimento de espécies que põem em risco a diversidade e a riqueza dos parques florestais, repovoando-os com os exemplares que têm soçobrado ao longo das últimas décadas de abandono. Um tal propósito traria algum consolo à destruição da paisagem a que se está a assistir. Mas não há plano de reflorestação conhecido e as entidades responsáveis por este processo mantém-se olimpicamente omissas nos seus meios de divulgação disponíveis. E, ainda que tudo se trate de uma mera falha de divulgação da acção da Parques de Sintra, sabemos que, a existir tal plano, a sua execução implicará um trabalho exigente e persistente. A recuperação do Palácio de Monserrate ou do Chalet da Condessa, apesar de tudo, implicam processos mais limitados no tempo e os seus resultados podem ser rapidamente visíveis. Mas, sem dedicação competente e continuada de muitos anos, os descampados que resultaram desta violência destrutiva não serão mais que matagal reminiscente das épocas áridas anteriores a D Fernando II.



As declarações nas notícias do Público não sossegam ninguém. O ICNB – Instituto de Conservação da Natureza e Biodiversidade, sócio maioritário da Parques de Sintra – declara que os objectivos são baixar o risco de incêndio e resolver problemas de segurança para quem passa na estrada, e que nas faixas destruídas serão plantadas espécies de porte arbustivo.

A declaração é alarmante! Bem sabemos que se não existir vegetação na serra, não haverá fogos. Mas não vamos por isso defender que se arrase e cimente a serra. Nem mesmo que se trate o coração da paisagem protegida, um conjunto histórico de parques únicos, como uma floresta de produção cruzada por aceiros. E quanto à segurança de quem passa na estrada, o argumento é simplesmente patético. A floresta é um corpo vivo, folhas e ramagens caem em estradas florestais, está na sua natureza. Ninguém espera realmente encontrar, a caminho do Convento dos Capuchos, as condições de circulação automóvel do IC19. Por fim, os “portes arbustivos” que o ICNB planeia para a serra fazem temer que a aspiração da entidade pública a quem se confia esta nossa paisagem protegida seja a “pudibunda nudez” da descrição amarga de Alexandre Herculano.


Uma nota final: sabemos que há um plano em conclusão para as tapadas e queremos crer que os seus objectivos não são ridículos nem criminosos. Mas nem os seus autores são deidades iluminadas, nem os cidadãos que se interessam por Sintra são ruminantes passivos e amorfos. Há que discutir publicamente as acções que a Parques de Sintra tem em preparação.

quarta-feira, 25 de março de 2009

O Tapete Verde

Hubert Robert (1733-1808). Le Tapis Vert, c.1775. Óleo sobre tela, 67 x 101,7 cm. Lisboa, Museu Calouste Gulbenkian.

Quem conhecer o Museu Gulbenkian talvez possa recordar-se de uma pintura de Hubert Robert, Dessinateur des Jardins du Roi de Luís XVI. O inverno violento de 1774-75 arruinou os jardins de Versalhes e, entre outros retratos dos trabalhos de abatimento hoje espalhados por vários locais, deu origem a este Le Tapis Vert. A melancolia da paisagem desolada, as árvores derrubadas e o corte dos despojos, ocupada por trabalhadores em descanso, crianças que brincam e elegantes que se passeiam e inspeccionam, vigiada, como por deuses, pelas esculturas impassíveis e um pouco licenciosas, fazem de nós espectadores de uma visão estranha e misteriosa. É esta melancolia ambígua que queremos invocar para falar do parque da Pena e das tapadas em seu torno.

Há uma tradição antiga de verdura luxuriante na serra de Sintra, mas essa abundância parece ter decaído ao longo dos tempos e, por meados do século XIX, Alexandre Herculano descrevia uma montanha nua, (...) cujos antigos bosques desapareceram há muito, e onde a cepa já começa a escassear (...) Sintra foi por séculos a montanha das selvas. Onde estão estas? Caíram sob o machado da imprevidência. Os estevais seguiram-nas. Agora revolve-se o chão para arrancar algumas raízes. Que arrancarão as gerações futuras? Pedras? (...).

A Alexandre Herculano sucedeu um século de intensa plantação de floresta, liderado por D. Fernando II e pela sua obra máxima no parque da Pena. Aquilo a que aprendemos a chamar Sintra, os seus parques e a sua extraordinária vegetação, é o resultado desse impulso fundador e de todos os que o continuaram. Em ciclos de maior actividade e de maior apatia, sobrepondo a sua acção zelosa e o seu desleixo, trouxeram a Sintra vegetal até nós.

Todos sabemos que as últimas décadas foram tempos de entrega progressiva dos parques e das tapadas à sua sorte, com jardins, caminhos, construções e plantações preciosas engolidas por uma massa verde, tudo abraçando, de todas as direcções provindo e em todas as direcções se dispersando. Para quem aprendeu a mergulhar em Sintra no princípio da década de oitenta, como nós, a serra sempre foi isto, e nada senão isto: uma floresta fabulosa, densa, descontrolada e decadente. Todos os invernos se lamentavam árvores grossas e carcomidas das plantações mais antigas, envoltas em hera e cobertas de fetos e musgos, atiradas ao chão pelo último vendaval. E todos os verões se morria de medo dos incêndios que, temíamos, se deflagrassem na serra varreriam num segundo a selva abandonada.

Naturalmente, apaixonados pela nossa floresta virgem, ficámos em estado de choque com o despertar reformador dos últimos dois anos. Percursos há muito tempo esquecidos surgiam do nada. Novos resguardos de madeira acompanham os caminhos. Constroem-se degraus e calçadas. Redes e vedações sinalizam áreas em obras. Jardineiros voltam aos jardins. Acima de tudo, homens e máquinas entram nos bosques, serrando e cortando. Progressivamente, a selva mágica e misteriosa foi sendo arrasada e, no seu lugar, ganha agora corpo um lugar estranho: recantos varridos e minuciosamente tratados, matas esquálidas, clareiras desoladas, árvores majestosas libertas de trepadeiras, pequenas folhosas que subitamente respiram, cepos em sangue, ramos mortos, lascas de madeira, troncos arrancados, terra revolvida.

Os jardins de Versalhes foram reconstruídos e replantados após a devastação e voltaram a um estado de glória. E nós, acreditamos que Sintra e o parque vão renascer? Ou, sem crença, revolta-nos a fúria regeneradora e tememos o regresso do pedregal calvo que a serra em tempos foi? Sentimo-nos felizes, porque o perigo dos tempos de abandono parece afastado, pela primeira vez nas nossas vidas? Ou infelizes, porque esperávamos que a morte arrastada da floresta fabulosa se prolongasse e a prolongasse, ainda assim, para além das nossas próprias vidas? Realmente, não sabemos. Assim começa este blogue.