quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Montezuma em Monserrate


Por esta altura, quem descer a encosta relvada do Palácio de Monserrate vai poder ver, ao fundo, atrás da búnia-búnia e das palmeiras com que começa o vale do México, o espectro de uma árvore. Atrás de todas estas espécies muito sólidas há um belo esqueleto transparente, envolto no que parece ser uma nuvem penugenta dourada à luz de Fevereiro. É o Taxodium mucronatum de Monserrate, um taxódio-de-Montezuma, ou cipreste-de-Montezuma.

Nalgum sítio de que já não nos lembramos vimos uma fotografia deste taxódio coberto de folhas ruivo ardente. Assim, desde Outubro, namorámo-lo cheios de segundas intenções, esperando surpreendê-lo em pleno enrubescimento. Infelizmente, descurámos o namoro a partir de Janeiro. E assim, agora chegados, ficamos sem saber se em algum momento a árvore de Montezuma passou por aquele encarnado denso pelo qual aguardávamos, ou se se vai desvanecendo assim, aos poucos, mantendo sempre uns laivos de verde um pouco metálico.

Taxodium mucronatum de Monserrate em Outubro

Taxodium mucronatum de Monserrate em Fevereiro

Para uma visão do que poderia ter sido a sua cobertura espessa antes da queda, temos de olhar para o chão à volta. Entretanto, prometemos que não voltaremos a desleixar o namoro, e que descobriremos se esta árvore vai chegar a desnudar-se totalmente, e quando.


E agora para quem gosta de coscuvilhice social arbórea: esta árvore tem um primo dado a um outro tipo de enquadramento cenográfico, que vive uns quilómetros mais a norte e que também se gosta de exibir. Ambos estes taxódios, aliás, reclamam parentesco com o talvez maior e talvez mais antigo de todos os taxódios-de-Montezuma: um patriarca mexicano de 2000 anos – o quádruplo da idade, portanto, do próprio Montezuma – suportado num tronco impassível de 58 metros de diâmetro, a quem se pode pedir a bênção perto de Oaxaca, em Santa María del Tule.

Imagem Wikimedia, daqui (as pessoas da foto não são anãs)

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Magnólia Ameaça Inverno



O Árvores de Portugal está deliciado com a floração das magnólias e obrigou-nos a viajar às nossas magnólias, as do Parque da Pena. Não é que as suas flores começaram a juntar-se às camélias, inchando o peito para amedrontar estes dias frios e nevoentos que o Carnaval tem largado na Serra?

Será que podemos chamar «Terreiro das Magnólias» ao lugar onde vivem? A Monografia chama-lhe «Curro», que é um nome muito pouco inspirador. Já a descrição das magnólias (nas páginas 290 e 291) é um gosto: fica-se a saber que eram dez, plantadas em 1918, mas que em 1960 não deslumbravam o autor. Pela nossa parte, é um dos locais maravilhosos do parque entre o fim do Inverno e os primeiros dias de Primavera. Os seus nomes, como, em certas histórias, os nomes daquelas princesas exóticas apresentadas em bailes especiais por mães ansiosas a príncipes neurasténicos que estão na idade de casar, são um prazer só por si e merecem ser desenrolados, de norte para sul (exactamente como foram impressos na Monografia, que não temos competência para os corrigir):

Primeira magnólia:
Magnolia grandiflora

Segunda magnólia:
Magnolia Soulangeana
(ou um híbrido Magnolia conspicua X Magnolia purpurea?)

Terceira magnólia:
Magnolia Verbenica

Quarta magnólia:
Magnolia Lennei
(ou uma variante de Magnolia Soulangeana?)

Quinta magnólia:
Magnolia Soulangeana, var. rustica florepleno
(lamentavelmente falecida no Inverno de 1957!)

Sexta magnólia:
Magnolia Yulan (ou denudata, ou conspicua)

Sétima magnólia:
Magnolia tripetala

Oitava magnólia:
Uma magnólia incógnita, talvez por erro de impressão

Nona magnólia:
Magnolia Soulangeana, var. Brozzoni

Décima magnólia:
Magnolia gracilis Kobus

A que corre adiantada, posando para a fotografia, é a sexta magnólia, identificada no local como Magnolia denudata. Provavelmente, a magnólia que será escolhida pelo príncipe neurasténico. Está, no entanto, a ser seguida de perto por uma Soulangeana, pelo que o desfecho ainda não é previsível. Enfim, acontecimentos empolgantes a seguir com atenção ao longo das próximas semanas.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Petição pelas Árvores de Sintra


AQUI, caro leitor, expõe-se uma petição mais que justa que exige ser lida e assinada. Dirige-se ao presidente da câmara municipal e reage – com equilíbrio e precisão – ao mau trato e desleixo que se abate sobre a arborização de Sintra, ameaçando o seu carácter e a sua identidade. Um lento sintricídio contra o qual se apela à assinatura daqueles que amam, seja com fervor seja com leveza, a extraordinária Sintra e as suas extraordinárias árvores.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Conto de Inverno (II): A Maldição dos Musgos de Sintra


Eram uma vez fragas e muros da serra de Sintra que desde o início dos tempos tinham sido escolhidos para residência dos musgos, musgos já sem idade que as ordens divinas decretaram que permaneceriam inviolados, espessos e fofos até ao fim dos tempos.

Quem foram, então, essas criaturas pavorosas que romperam o repouso solene dos musgos, que devastaram a sua superfície verde para inscreverem os seus nomes desesperados? Quem é esse abominável Horácio? Que cãibras lhe ataquem os dedos se ousar levantar de novo a mão a um muro musguento ou a uma fraga musgosa. Quem é esse desgraçado Afonso, quem é essa infeliz Mafalda? Que tropecem um no outro e uma cólica os contorça e paralise se algum dia voltarem a aproximar-se destas residências húmidas e sombrias. Esta é a maldição dos musgos de Sintra.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Camélias de Sintra


As camélias não são de Sintra. Vindas do Oriente e, daí, frequentemente conhecidas por japoneiras, pertencentes a uma grande família que inclui a planta do chá, foram introduzidas por D. Fernando no Parque da Pena. Como tantos outros forasteiros, aqui chegadas adaptaram-se, adoptaram Sintra e foram por esta adoptadas. Pertencem, portanto, a um dos tipos mais comuns e genuínos de sintrense: o adoptivo. Por isso, as camélias são de Sintra.


É isto que a Saboaria e Perfumaria Confiança sabe desde 1930 e, em 2008, resolveu relembrar a todos através de uma reedição exclusiva para A Vida Portuguesa. Podia este sabonete chamar-se, por exemplo, Camélias do Porto? Podia. Talvez até, pelo seu elevado número nesta cidade, com maior propriedade. Mas há qualquer coisa em Sintra que torna mais suas estas e outras flores: a própria Sintra. E agora que as suas camélias iniciam o renascimento anual podemos, finalmente, começar a vislumbrar, por entre os caminhos onde florescem e murcham, a doce, aromática e colorida Primavera que aí vem.


segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Devassando a Privacidade de uma Faia


Em Abril, na encosta do Castelo dos Mouros, tínhamos observado o despertar um pouco tardio mas bastante rápido da nossa Fagus sylvatica preferida, que em poucos dias se aprontou para o Verão. Também tem o hábito de se atrasar um pouco a adormecer e, ao contrário do acordar, demora-se nos preparativos. Pelo menos, assim concluímos ao espiá-la e fotografá-la indecentemente. O nosso plano agora é vender estas imagens a uma dessas revistas de mexericos arbóreos de grande tiragem e enriquecer:

7 de Dezembro: Fagus sylvatica bocejando

26 de Dezembro: Fagus sylvatica deixando cair as pálpebras

4 de Janeiro: Fagus sylvatica respirando pesadamente

23 de Janeiro: Fagus sylvatica adormecida – e praticamente nua!

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Conto de Inverno (I): O Pórtico e a Guarda




Era uma vez um bosque muito antigo de castanheiros, e o nome desse castanhal recordava uma rainha morta há muito tempo. Estava esse castanhal tão encerrado atrás de muros de pedra e de rochedos que as suas árvores se tinham tornado uma comunidade isolada, absorvida pelos seus assuntos e indiferente às agitações humanas que corriam acima e abaixo pelas estradas à volta. Castanhas germinando e castanheiros bebés, adolescentes impertinentes e adultos perfeitos, árvores envelhecidas, moribundos e cadáveres, conviviam sem as barreiras que existem noutros lugares mais profanos. Era, em suma, um lugar onde o Inverno se celebrava como se diz que deve ser celebrado, em segredo e nas horas mais nevoentas do dia.

A verdadeira porta por onde tinha de passar quem neste bosque pretendesse ser realmente recebido não era nenhum dos portões dos muros da cerca, mas sim o pórtico solene que um certo castanheiro decrépito edificara, ano após ano, à medida da deformação e da queda dos seus ramos, dourado por fetos e trepadeiras. Guardava este pórtico uma criatura rara, de pelagem semelhante ao musgo, que em tempos se disse ter sido uma beleza enfeitiçada, ou uma criatura que poderia maldizer ou abençoar os caminhantes que lhe procurassem os olhos cegos, ou colocar-lhes perguntas que os poderiam perder ou salvar, ou que era – muito improvavelmente! – um tronco morto de castanheiro.

E no que diz respeito à acção propriamente dita: numa dessas manhãs de celebração invernosa, por entre o nevoeiro, bem perto desse pórtico, à vista da cabeça chifrada de guarda, aconteceu que...

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Uma Nova Velha Casa nos Lagos




Já sabemos que as acções mais unânimes da Parques de Sintra – Monte da Lua são as recuperações do património edificado. O Palácio de Monserrate e o Chalet da Condessa, em avançado resgate da sua ruína, são os exemplos mais vistosos, mas o trabalho também é apreciável nos edifícios menores espalhados pelos parques e tapadas. Já aqui tínhamos gabado a nova Casa da Lapa, hoje chegou a altura de mostrar as novas faces coradas de outra casa abandonada que estava em obras desde Abril.

Na casa da Entrada dos Lagos, tudo reluz como acabado de construir: o rosa das paredes, o encarnado dos telhados, o branco dos socos e dos beirados; os candeeiros do portão parecem ser mesmo novos, isto é, não nos lembramos (mas a nossa memória tem apenas duas décadas ou pouco mais) de alguma vez terem existido ali. O novo anexo escuro nas traseiras, que à partida poderia levantar mais reservas, não está mal para o nosso gosto, embora ainda não saibamos para que vai servir – aliás, para que vai servir exactamente todo este conjunto. Substituirá a actual entrada uns metros abaixo? O desaparecimento da obstrutora barraca de madeira onde se vendem bilhetes seria muito bem vindo.

O que menos nos agrada é um detalhe, mas um detalhe que grita aos ouvidos: aquelas duas bandeiras espetadas. Parecem-nos parte de uma compulsão para poluir a vista com acenos, reparos e chamadas de atenção, um fruto amargo da nossa época tão visualmente ruidosa. Ficamos a aguardar que os mastros enferrujem e caiam. Aliás, apesar de tudo reluzir como acabado de construir, daqui a alguns invernos, se tudo tiver corrido conforme previsto, tudo estará mais bem aconchegado ao seu lugar, ganhando sombras de musgo, mossas e manchas de idade.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Lagoa Azul: trouble in paradise


A beleza plácida e paradisíaca da Lagoa Azul – quando vazia dos inúmeros turistas ou simples curiosos, dos pares românticos ou ocasionais, dos aprendizes de vudu e do lixo que quase todos deixam – foi perturbada pelo recente mau tempo.


Dois grandes e belos pinheiros precipitaram-se no solo quando as terras empapadas em água se tornaram incapazes de os segurar. Um logo à entrada, naquela espécie de hall ou terreiro pouco paradisíaco e o outro, o tridente (com os seus três troncos que cresceram a partir da base e que os cozinheiros que se querem na moda apelidariam, provavelmente, de trilogia de pinus), na margem privilegiada, de frente para a Cruz Alta da Penha Longa.


Caídos, eles recordam-nos o que habitualmente gostamos de esquecer: não há paraísos imperturbáveis; o que, se calhar, apenas quer dizer que não há paraísos – a não ser, claro, os irremediavelmente perdidos. Mesmo que, à pequena escala e grande perfeição da Lagoa Azul da Serra de Sintra, quase acreditemos no contrário. Sobretudo agora que o som da cascata e dos múltiplos ribeiros e riachos ecoa pelas margens da lagoa – e que desaparecerá com o fim deste perturbado Inverno.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Lagoa Azul: a visão da cascata


Que bela é a Lagoa Azul – referimo-nos, claro, à da Serra de Sintra, não à de Champagne Bay, na República de Vanuatu, que, à mistura com pedaços da Jamaica e das Ilhas Fiji, serviu de cenário ao filme The Blue Lagoon, de 1980, e que, para o mal ou para o bem, atormentou a puberdade e adolescência de muitos de nós. A bela Lagoa Azul de Sintra não tem nem a Brooke Shields nem o Christopher Atkins – embora raros sejam os dias que não tragam até às suas margens candidatos à perpetuação da sua memória e legado, dispostos, para isso, a realizarem verdadeiros castings on location.

Mas a bela Lagoa Azul de Sintra tem agora uma espécie de cascata, trazida pelas chuvas quase intermináveis deste Inverno. Para a ver em todo o seu esplendor é necessário descer um caminho íngreme e escorregadio que, barranco abaixo e lado a lado com a estrada, leva-nos até à base do paredão que segura e retém até ao limite as águas que escorrem da serra. Aí, vários metros abaixo da superfície da lagoa, das suas margens densamente arborizadas, dos seus nevoeiros e da família de patos que tranquilamente vive a sua condição de estrelas oficiais deste cenário quase paradisíaco – e que muito têm visto ao longo das suas vidas – podemos reforçar a nossa quase crença de termos penetrado num outro território e viajado para uma outra latitude.