quinta-feira, 13 de agosto de 2009

A Invenção de Sintra (I)


João Cristino da Silva (1829-1877). Cinco Artistas em Sintra, 1855 (detalhe)
(foto em MatrizPix).


João Cristino da Silva (1829-1877). Cinco Artistas em Sintra, 1855. Óleo sobre tela, 86,3 x 128, 8 cm. Lisboa, Museu do Chiado / Museu Nacional de Arte Contemporânea.

Em 1855, João Cristino da Silva (1829-1877) pintou Cinco Artistas em Sintra, uma das primeiras e talvez a mais paradigmática pintura romântica portuguesa. Nela vemos retratados, além do próprio pintor, os seus companheiros de geração e de ideário estético: à esquerda, os pintores Tomás da Anunciação (sentado) e Francisco Augusto Metrass (em pé, atrás dele); à direita, o escultor Vítor Bastos, seguido de Cristino da Silva e, sentado no chão, José Rodrigues. Mas, além dos cinco artistas (munidos de telas, blocos, lápis e pincéis), dos camponeses curiosos que os rodeiam (com os seus trajes saloios) e dos rochedos em que se situam, vemos ainda, ao longe e à esquerda, o Palácio da Pena – terminado poucos anos antes. Mas vemos também uma enevoada mas ainda despida Serra de Sintra. A pintura, destinada à Exposição Internacional de Paris, seria comprada pelo próprio D. Fernando, não apenas o inspirador indirecto da obra mas também o directo responsável pela fama alcançada de imediato pelo artista e, mais importante, o sistemático mecenas e impulsionador da tardia geração de artistas românticos portugueses.

A pintura de Cristino é um retrato de grupo, uma declaração de amizade, uma afirmação geracional e um manifesto estético. A Pena e a serra de Sintra, onde tudo se passa, são aqui tornadas símbolos de um novo gosto e, sobretudo, de um novo conceito de paisagem: vemos não apenas um lugar mas assistimos à construção de um território visualmente diferenciado, em parte real em parte imaginado, pictórico e pintoresco, cenográfico e idealizado, e, acima de tudo, emotivo. Não foi a primeira vez que Sintra, a Serra e a Pena foram representadas; mas foi, provavelmente, a primeira vez que, na pintura, se contribuiu activamente para a invenção moderna de Sintra – aquilo que na literatura, na arquitectura, na jardinagem vinha a ser feito desde o final do século XVIII.

A pintura pertence ao espólio do Museu do Chiado, integrando a maior e a mais importante colecção de arte portuguesa de meados do século XIX até ao início do século XX. Porém, tal como as outras obras desta colecção, não pode ser vista. Guardada permanentemente nas reservas ela testemunha hoje a estranha vontade deste museu em não ser o que deve e o equívoco de pretender ser outra coisa, para a qual não tem nem obras nem meios – um museu de arte contemporânea. Basta compará-lo com a Fundação de Serralves, o Museu Berardo ou o Centro de Arte Moderna da Gulbenkian. Aparentemente, ressuscitar o original (e já na altura equívoco) nome de Museu Nacional de Arte Contemporânea serviu recentemente para sossegar algumas consciências e legitimar a discutível opção.

Impossibilitados de ver a obra, podemos, pelo menos, ver um seu estudo, apropriadamente exposto numa das salas do Palácio da Pena, cuja construção foi tão determinante não apenas para a realização da pintura mas, sobretudo, para a invenção de Sintra como paisagem romântica.

3 comentários:

  1. De facto ... mal se compreende que o Museu do Chiado se arme ao pingarelho, quando tem um acervo tão valioso e tão escondido. Belíssimo pormenor este da Pena e mais uma inequívoca manifestação em como o Sintra, acerca de é um precioso serviço público.

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  2. A invisibilidade da mais importante colecção oitocentista portuguesa - onde se incluem TODOS os nossos pintores do século XIX - é inaceitável e a ela voltaremos. Obrigado, uma vez mais, pelas tuas palavras, querida Io.

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  3. Voltem ao tema sim, por favor. Que interessante. Ficarei sofregamente atenta.

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