terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Sintra no Buçaco (II)





Quem reparar nas etiquetas da mensagem anterior perceberá que as fotografias demagógicas que recolhemos, que podiam ser de Sintra, são antes do Buçaco. Numa visita recente voltámos a confirmar, como em Setembro, o mesmo sangue que parece correr em ambos os lugares. E mais abundantes ainda do que em Setembro, voltámos a encontrar, agora com toda a força persuasiva do Outono avançado, alguns dos encantos particulares que distinguem o Buçaco.

Como é costume, fontes de satisfação e fontes de tristeza caminham aos pares, como a flor e os espinhos na rosa. Assim, os males do abandono e da pobreza propiciam caminhos remotos e selvagens, floresta espessa vagamente interrompida por jardinagem deixada em descuido, placas caídas, cancelas ferrugentas e ermidas que se arruínam. O mais velho de todos os ciprestes-do-Buçaco no Buçaco – e em Portugal – é celebrado com um poema numa inscrição fanada:

Cedro de S. José
Plantado em 1644 (?)
é considerado o cedro

Nada aqui se aproxima daqueles caminhos diariamente aspirados e polidos sem ervas nem ramos fora do sítio, que se querem tornar moda na Pena e no Castelo dos Mouros e que tanto nos aborrecem. Mas também não estão à vista quaisquer gestos de recuperação da devota rede de passos e ermidas do Deserto e do Sacromonte, que deve ter tido o seu mais recente apogeu no primeiro par de décadas após a instalação das esculturas cerâmicas representando a Paixão, há 70 anos. Este conjunto decadente que lentamente se desfaz ilumina ainda a floresta fabulosa, aguardando socorro.

É também evidente que a mata nunca sofreu o abandono radical e prolongado a que Sintra esteve sujeita e, por isso, talvez não corra o risco de necessitar, nos tempos mais próximos, de um ataque tão radical e sangrento como o que em Sintra conhecemos. Nem a sua localização é propícia à invasão turística sintrense, com os seus milhões anuais da venda de entradas. Assim, as vistas que o Buçaco nos concede num passeio de Novembro recordam algo do que pode ter sido uma Sintra anterior ao furor dos dias de hoje e anterior às décadas abandonadas, quando livremente se entrava e saía da sua selva apenas discretamente cuidada.

3 comentários:

  1. Essa bonita placa está no Buçaco, e nas mesmas condições, há muitos anos. É bem possível que no próximo fim-de-semana nos desloquemos ao local para a contemplar. Pena aquele cedro enorme logo atrás, retira-lhe algum protagonismo, mas que fazer? O descuido é desporto nacional.
    ;o)
    jb

    ResponderEliminar
  2. E há que realçar que a placa é a cores, enquanto o resto da mata, incluindo o dito «cedro», é a preto e branco. (Mas, é justo ressalvá-lo, um preto e branco bonito e brumoso, muito cinematográfico.)

    É tal a importância turística e patrimonial da Placa do Cedro de S. José que se faz necessário pôr ao lado dela uma placa explicativa; ofereço-me desde já para organizar a recolha de fundos. Eis os dizeres que poderiam figurar na nova placa:

    PLACA DO CEDRO DE S. JOSÉ

    Colocada em 19??
    é considerada a placa
    ...

    ResponderEliminar
  3. JB: espero que retirem toda a satisfação e todo o proveito que a visita ao Buçaco e a contemplação da linda e vetusta placa permitem. Ignorem esse pedaço de madeira caduco que está atrás (e todos os outros que, infelizmente, ainda andam espalhados pela serra). Boa viagem!

    Paulo Araújo: é muito justa a observação que faz, até cromaticamente a placa é incomparável. A sugestão da nova placa explicativa só pode ser louvada. Como é possível que tal ideia ainda não tenha sido posta em prática! Podem mesmo antever-se os seus frutos felizes: talvez, daqui a um século, uma terceira placa, com a data 21??, e, quem sabe, mais tarde, uma quarta e uma quinta, sempre com o pedaço de madeira caduco por trás.

    ResponderEliminar