terça-feira, 1 de junho de 2010

Com Poderes Públicos Assim…

Portela de Sintra

É pressuposto que as entidades públicas tenham preocupações públicas (i.e., relativas a todos e expressas na boa administração do que a todos pertence e/ou serve) ao passo que as privadas, particularmente as empresas, conduzem a sua acção em função de interesses particulares. Mas para que estes sejam absolutamente legítimos, é necessário que as primeiras regulem a actividade das últimas, garantam a prévia protecção dos bens colectivos e, acima de tudo, assegurem os mais universais interesses da comunidade. Porém, o que constantemente observamos é que, enquanto as entidades privadas nunca perdem de vista os seus objectivos, as entidades públicas parecem cada vez mais incapazes de perceber com clareza a sua natureza e, desse modo, cumprir as funções que lhes reservamos. Seja porque passam a perseguir objectivos privados ou, o que é mais frequente, a comportarem-se de forma indiferente em relação a estes ou, pior ainda, a mascarar (ou legitimar) fins privados com aparentes necessidades públicas. Quando uma tal crise existencial acontece, a polis fica reduzida a um conjunto assustador de interesses pessoais – dos declarados e legítimos aos mascarados, ilegais, ou simplesmente ilegítimos. Algo particularmente patente nos pequenos pormenores da gestão do espaço público.

É o caso dos corrimãos – ou protecções metálicas – que estão a ser colocados nas esquinas das ruas de Sintra. Aparentemente servem uma função pública: protegerem os transeuntes da circulação automóvel e vice-versa. Mas com alguma atenção (não é preciso muita) constata-se que servem de suporte a placas publicitárias comercializadas por uma empresa privada. Se acrescentarmos a discutível necessidade destas protecções todo este processo torna-se particularmente preocupante. Não nos admiraríamos por isso que a própria ideia tenha sido da respectiva empresa, a qual naturalmente viu nisto uma inteligente prossecução dos seus objectivos privados. E a Câmara?

Já sabíamos que a actual administração municipal não resiste a catálogos de mobiliário urbano e afins. Por isso, esta autorizada apropriação privada do espaço colectivo é também mais um exemplo das consequências poluentes de uma tal fraqueza pública. No seu travo a “lado errado dos anos oitenta” (quando estes objectos estavam na moda), estes corrimãos-estendais-de-publicidade expõem o pesadelo resultante da aliança entre os pragmáticos interesses privados, a moderna fraqueza das instituições públicas e o magno desígnio camarário de alindar Sintra. Mais assustador é pensar que, caso a referida empresa tenha também pago o fabrico dos ditos objectos, haverá certamente na Câmara Municipal de Sintra quem considere que, neste negócio, fomos nós que ficámos a ganhar…

2 comentários:

  1. Permito-me fazer minhas as vossas palavras em anterior comentário : «Somos um povo um pouco desleixado com a sua paisagem, não?»

    Não precisaríamos de ser tão «arrumadinhos» como os nórdicos, mas este indigno «Far West» paisagístico, mas também moral é, de facto, desolador.

    Vou pôr o T. a ler os vossos posts ... enfim, há que começar por algum lado para ver se isto muda na próxima geração.

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  2. Muito desleixado! Mas quando se quer ser arranjadinho e se acerta o tiro ao lado, como neste caso, também é enervante!
    Essa ideia para o T é óptima. Não se pode criar uma disciplina nova na escola, uma que ensine a regar, apanhar o lixo e cortar as ervas daninhas deste rectângulo à beira-mar plantado?

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