Estas são as duas primeiras páginas de um fac-símile oferecido no ciclo de conferências organizado pela Câmara Municipal de Sintra sobre «Coisas d’Árvores». A edição homenageia Mário de Azevedo Gomes e foi, originalmente, uma publicação dos «Livros do Povo – Noções de Tudo», de 1916. Num tom didáctico e com a dose suficiente daquela pronta consciência de inferioridade que por hábito nos caracteriza, ensina-se que não é bom o “...trato que a gente vê dar muitas vezes na nossa terra às árvores; mas já nos países mais adiantados em que o povo é mais instruído, e sabe distinguir melhor o que é fazer bem e o que é fazer mal, a árvore vai logrando de todos o respeito que merece.”
As conferências – só pudemos assistir às três últimas – foram muito interessantes por mais do que uma razão. Os conferencistas eram conhecedores profundos dos assuntos que trataram e, melhor ainda, eram três vozes bem projectadas e três excelentes comunicadores. Que os serviços municipais responsáveis pela arborização pública local tenham organizado este ciclo com tal nível de oradores, para além de mais complementado por um conjunto de acções de formação dirigidas aos seus trabalhadores, é só por si uma óptima notícia, sobretudo tendo os intervalos sido acompanhados pela distribuição de queijadas frescas.
Naturalmente que ainda não recuperámos das podas, podas, e mais podas dos últimos meses, e que nos parece que a arborização pública tende aqui a ser débil e decadente, e a acção municipal errática. O que nos leva a outra faceta muito interessante destas conferências: o constante conflito entre arbofilia e arbofobia que tão bem revelaram.
Um dos conferencistas, António Fabião, referiu um inquérito feito aos lisboetas há uns anos, sobre a relação que mantinham com as suas árvores públicas, onde se concluiu que as árvores eram nominalmente muito amadas por todos, mas a maior parte não as queria ter à sua porta. É, em cheio, o “ódio aos arvoredos” de Alexandre Herculano, que invade as secretarias de presidentes e vereadores com queixas pelos prejuízos que os monstruosos vegetais infligem ao património privado de cada um e até à sua própria saúde – física e, provavelmente, mental. Ao ódio junta-se a ignorância que o pouco e mau contacto com a arborização urbana alimenta, levando muitos a acreditar que o mau tratamento das árvores públicas lhes é dispensado no seu melhor interesse.
Outra é a posição dos amantes de árvores, cujo afecto irracional e inexplicável vem acompanhado pela defesa informada da existência abundante de árvores, plantadas onde possam crescer, desenvolvendo-se livremente num território ordenado – como no Paraíso. Nestas conferências, o poder público estava a esforçar-se para propagar precisamente esta defesa informada. Mas é muito claro que a Câmara Municipal de Sintra emana dos próprios cidadãos que administra e que aqueles que em seu nome actuam partilham a ignorância e a sabedoria – o amor e o ódio também – que por toda a população se distribuem. Faz assim sentido o peso que teve a formação dentro dos próprios serviços, como faz sentido que grande parte dos participantes nas sessões públicas fosse feita de funcionários municipais, desde dirigentes técnicos a jardineiros, acompanhados por responsáveis políticos.
Agora, falta que esta vaga de esclarecimento se propague; que os fragmentados serviços locais se coordenem; que persistam no combate à ignorância, mesmo, ou mais ainda, nas suas próprias fileiras (o combate ao ódio será sempre coisa mais subtil); que a infeliz arborização dos espaços públicos de Sintra seja bem tratada e que planos de nova arborização façam tomar de verde os nossos largos, as nossas praças e as nossas ruas (não nos importamos que comecem pela nossa); enfim, que possamos dizer que está ultrapassada aquela lição antiga do livrinho de 1916.
As conferências – só pudemos assistir às três últimas – foram muito interessantes por mais do que uma razão. Os conferencistas eram conhecedores profundos dos assuntos que trataram e, melhor ainda, eram três vozes bem projectadas e três excelentes comunicadores. Que os serviços municipais responsáveis pela arborização pública local tenham organizado este ciclo com tal nível de oradores, para além de mais complementado por um conjunto de acções de formação dirigidas aos seus trabalhadores, é só por si uma óptima notícia, sobretudo tendo os intervalos sido acompanhados pela distribuição de queijadas frescas.
Naturalmente que ainda não recuperámos das podas, podas, e mais podas dos últimos meses, e que nos parece que a arborização pública tende aqui a ser débil e decadente, e a acção municipal errática. O que nos leva a outra faceta muito interessante destas conferências: o constante conflito entre arbofilia e arbofobia que tão bem revelaram.
Um dos conferencistas, António Fabião, referiu um inquérito feito aos lisboetas há uns anos, sobre a relação que mantinham com as suas árvores públicas, onde se concluiu que as árvores eram nominalmente muito amadas por todos, mas a maior parte não as queria ter à sua porta. É, em cheio, o “ódio aos arvoredos” de Alexandre Herculano, que invade as secretarias de presidentes e vereadores com queixas pelos prejuízos que os monstruosos vegetais infligem ao património privado de cada um e até à sua própria saúde – física e, provavelmente, mental. Ao ódio junta-se a ignorância que o pouco e mau contacto com a arborização urbana alimenta, levando muitos a acreditar que o mau tratamento das árvores públicas lhes é dispensado no seu melhor interesse.
Outra é a posição dos amantes de árvores, cujo afecto irracional e inexplicável vem acompanhado pela defesa informada da existência abundante de árvores, plantadas onde possam crescer, desenvolvendo-se livremente num território ordenado – como no Paraíso. Nestas conferências, o poder público estava a esforçar-se para propagar precisamente esta defesa informada. Mas é muito claro que a Câmara Municipal de Sintra emana dos próprios cidadãos que administra e que aqueles que em seu nome actuam partilham a ignorância e a sabedoria – o amor e o ódio também – que por toda a população se distribuem. Faz assim sentido o peso que teve a formação dentro dos próprios serviços, como faz sentido que grande parte dos participantes nas sessões públicas fosse feita de funcionários municipais, desde dirigentes técnicos a jardineiros, acompanhados por responsáveis políticos.
Agora, falta que esta vaga de esclarecimento se propague; que os fragmentados serviços locais se coordenem; que persistam no combate à ignorância, mesmo, ou mais ainda, nas suas próprias fileiras (o combate ao ódio será sempre coisa mais subtil); que a infeliz arborização dos espaços públicos de Sintra seja bem tratada e que planos de nova arborização façam tomar de verde os nossos largos, as nossas praças e as nossas ruas (não nos importamos que comecem pela nossa); enfim, que possamos dizer que está ultrapassada aquela lição antiga do livrinho de 1916.
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