Todos os anos, entre o final do Inverno e o início da Primavera, nas ruas das nossas aldeias, vilas e cidades, funcionários municipais ou empresas privadas pagas com dinheiros públicos – como aconteceu este ano em Sintra – procedem à amputação das árvores. Muitos cidadãos fazem o mesmo nas suas propriedades. A isto chamam "poda", embora o processo não envolva árvores de fruto, nem seja necessário ao seu natural desenvolvimento. Muito pelo contrário.
Qual a justificação científica, a ponderosa necessidade pública ou a superior razão estética? Não sabemos. Ano após ano, ficamos à espera que as entidades públicas responsáveis por estas campanhas se dignem a justificar a sua acção. Um dos argumentos mais populares – qual verdade cientificamente comprovada – é o das alergias que as nefandas árvores (não a poluição) provocam nos humanos. O problema é que, em rigor, a esmagadora maioria dos referidos humanos não faz a mais pequena ideia do porquê das suas alergias. Simplesmente, acha que… e, pelos vistos, câmaras municipais e juntas de freguesia também acham que… Curioso é que este é um problema de saúde pública intrinsecamente português. Noutras cidades europeias, por exemplo, tais rituais anuais são desconhecidos. O que nos conduz à hipótese dos portugueses, num alarmante défice de adaptação ao meio ambiente, nunca se terem habituado a conviver com árvores.
No caso de Sintra, mas não só, a proximidade da grande mancha florestal da serra e a existência de um fenómeno atmosférico chamado vento, torna ainda mais patética esta crença na resolução do pressuposto problema pelo corte das árvores que se encontram à porta de casa das vítimas. Totalmente compreensiva com a situação, partilhando mesmo da comum ignorância, os serviços da Câmara Municipal chegam ao ponto de o fazer sob pedido: basta observar como, numa mesma rua, certas árvores frente a certos edifícios são objecto destes cortes enquanto outras, mais à frente ou atrás, permanecem incólumes – por agora. Acima de tudo, estes massivos e dispendiosos processos de amputação – dos quais as principais vítimas são, por norma, os plátanos – enraízam na nossa frágil cultura cívica, científica e ambiental e, por isso mesmo, são um outro espelho de nós próprios. Saídos recentemente da ruralidade e ainda mal instalados na nossa recente urbanidade, não gostamos de árvores ou, pelo menos, apenas as toleramos desde que anualmente reduzidas a cotos ou, na melhor das hipóteses, a meia dúzia de ramos decepados.
O resultado não é apenas estético ou funcional: árvores que não se parecem com árvores mas com arbustos; árvores deformadas e raquíticas; árvores que não dão sombra sequer. É sanitário e cívico: árvores sujeitas a um processo de contínuo enfraquecimento, muito mais vulneráveis a doenças e que, por isso mesmo, morrem precocemente. Nessa altura, dando o pretexto para a única medida possível que deixa a consciência de todos sossegada: abater e, de preferência, não replantar. Afinal talvez seja esta a verdadeira razão pela qual, em Portugal, as árvores são anualmente sujeitas a isto. O que nos faz voltar à afirmação já feita: não gostamos de árvores e porque não gostamos de árvores preferimos passeios, ruas, avenidas, bairros e cidades totalmente despojadas delas. Com a vantagem de podermos estacionar os nossos automóveis nos lugares que elas antes ocupavam. Sonhamos, por isso, com um país atapetado de cimento.
Qual a justificação científica, a ponderosa necessidade pública ou a superior razão estética? Não sabemos. Ano após ano, ficamos à espera que as entidades públicas responsáveis por estas campanhas se dignem a justificar a sua acção. Um dos argumentos mais populares – qual verdade cientificamente comprovada – é o das alergias que as nefandas árvores (não a poluição) provocam nos humanos. O problema é que, em rigor, a esmagadora maioria dos referidos humanos não faz a mais pequena ideia do porquê das suas alergias. Simplesmente, acha que… e, pelos vistos, câmaras municipais e juntas de freguesia também acham que… Curioso é que este é um problema de saúde pública intrinsecamente português. Noutras cidades europeias, por exemplo, tais rituais anuais são desconhecidos. O que nos conduz à hipótese dos portugueses, num alarmante défice de adaptação ao meio ambiente, nunca se terem habituado a conviver com árvores.
No caso de Sintra, mas não só, a proximidade da grande mancha florestal da serra e a existência de um fenómeno atmosférico chamado vento, torna ainda mais patética esta crença na resolução do pressuposto problema pelo corte das árvores que se encontram à porta de casa das vítimas. Totalmente compreensiva com a situação, partilhando mesmo da comum ignorância, os serviços da Câmara Municipal chegam ao ponto de o fazer sob pedido: basta observar como, numa mesma rua, certas árvores frente a certos edifícios são objecto destes cortes enquanto outras, mais à frente ou atrás, permanecem incólumes – por agora. Acima de tudo, estes massivos e dispendiosos processos de amputação – dos quais as principais vítimas são, por norma, os plátanos – enraízam na nossa frágil cultura cívica, científica e ambiental e, por isso mesmo, são um outro espelho de nós próprios. Saídos recentemente da ruralidade e ainda mal instalados na nossa recente urbanidade, não gostamos de árvores ou, pelo menos, apenas as toleramos desde que anualmente reduzidas a cotos ou, na melhor das hipóteses, a meia dúzia de ramos decepados.
Os plátanos, especialmente, estão cada vez mais parecidos com as árvores dos filmes de terror, monstros assustadores, deformados e dantescos.
ResponderEliminarEntre muitíssimos outros casos por todo o país, veja-se o exemplo de Valença, em que estes pobres monstros serviram de pano de fundo ao belíssimo presépio que aí é colocado nos últimos anos.
"Os gostos não se discutem. Lamentam-se"
Não conhecíamos esse presépio de cenário tétrico. Mas é verdade que só o tratamento que é dado aos plátanos por todo o país é já suficiente testemunho de como somos arboricidas inveterados.
ResponderEliminarObrigada por este post tão informativo!
ResponderEliminarTambém eu pensava que essas podas eram necessárias - e só agora me dou conta que afinal é uma espécie de cultura bonzai à moda portuguesa...
Todas as câmaras municipais declararam guerra às árvores de grande porte ou de folhagem caduca. Os plátanos têm as duas características, por isso estão no topo da lista negra de árvores a abater. As copas dos plátanos são frondosas e as folhas grandes; no Outono formam montículos sobre a relva dos jardins e nos passeios e os jardineiros e os varredores queixam-se do imenso trabalho que dá recolhê-las. Também dava imenso trabalho regar a relva mas o problema foi resolvido com a rega automática. Para as folhas não há solução, portanto todos os plátanos vão ser abatidos.
ResponderEliminarMas como há uns maluquinhos que os defendem, é preciso difamar as árvores recorrendo aos medos das pessoas como sejam as alergias. Entretanto vão-nas podando brutalmente para que fiquem vulneráveis a doenças e morram.
No parque C. Eufémia, no Barreiro, tanto do lado nascente como a poente havia áleas de plátanos. A álea poente era percorrida por muita gente, tinha relva cuidada e as árvores eram barbaramente amputadas. Os plátanos são pequenos, disformes e de aspecto envelhecido. A do lado nascente era uma zona selvagem, sem relva, onde se localizavam os contentores do lixo do mercado 1º de Maio e as árvores não eram podadas. Os plátanos eram altos, escorreitos, frondosos e saudáveis. As suas folhas caiam, desfaziam-se e misturavam-se com a terra. Este ano foram envolvidos pelo tapume das obras de reconstrução do mercado. Só se viam as copas. Há um par de meses, pela calada da noite, foram abatidos. Nem uma voz lamentou a sua morte. Quando o tapume for retirado, e o novo mercado inaugurado, no seu lugar haverá betão.
Estamos em total sintonia com o seu desabafo. As podas assassinas e os abates como o que descreve enchem-nos de revolta, e os plátanos são vítimas preferenciais. São fruto de selvajaria e ignorância e degradam ainda mais as nossas deficientemente urbanizadas e mal geridas cidades, que se vão tornando mais hostis e mais inóspitas à medida dessas podas e desses abates. A expressão da revolta em voz alta e a denúncia da ignorância são um dos meios de combate ao nosso alcance e devemos utilizá-lo sempre que possamos. Há alguns resultados, ainda que lentos e modestos, que se podem atingir.
ResponderEliminar