terça-feira, 15 de setembro de 2009

Ruína e Resgate de Monserrate


Sofremos do defeito de quem está radicado no lado oriental da Serra e se aventura pouco para ocidente: temos estado desgraçadamente ausentes dos Capuchos, da Peninha, do Cabo da Roca e de toda a costa, ou da Ribeira de Colares e do seu vale; mas hoje vamos arriscar um passo de três quilómetros para o lado do mar e mergulhar em Monserrate.

Os ciclos de ruína e resgate deste lugar são um dos traços romanescos da sua história próxima: baptismo no século XVI por uma reprodução da Nossa Senhora catalã de Montserrat; ruína ao longo do século XVIII, precipitada pelo Grande Terramoto; resgate em 1790, com a construção do primeiro palácio; abandono progressivo e ruína no século XIX; resgate em 1856, com a construção do segundo palácio sobre os destroços do primeiro; crise no século XX, com a venda do recheio e a tentativa gorada de loteamento da propriedade na década de 40; compra pelo Estado em 1949; decadência lenta e pré-ruína até à entrada do milénio; resgate do palácio e dos jardins a decorrer em 2009.

Mesmo numa época ingrata como este fim do Verão e num período de obras que revolve e atrapalha edifícios e jardins, é possível captar imagens sedutoras de Monserrate e gozar as suas vistas: um conjunto quase outonal subindo a encosta do palácio; o fundo tropical da vertente sudoeste; um enfiamento atlântico apontando o noroeste.




Ou o balcão suspenso do palácio, para uma invocação fantasiosa do cenário (um mês e algumas horas antecipado) deste poema chinês e americano:


THE JEWEL STAIRS’ GRIEVANCE

The jewelled steps are already quite white with dew,
It is so late that the dew soaks my gauze stockings,
And I let down the crystal curtain
And watch the moon through the clear autumn.

NOTE: Jewel stairs, therefore a palace. Grievance, therefore there is something to complain of. Gauze stockings, therefore a court lady, not a servant who complains. Clear autumn, therefore he has no excuse on account of weather. Also she has come early, for the dew has not merely whitened the stairs, but has soaked her stockings. The poem is especially prized because she utters no direct reproach.


Ezra Pound

Cathay
[a partir de Rihaku (Li Po)]



LAMENTAÇÃO DAS ESCADAS DE PEDRARIA: Os degraus de pedraria estão já brancos com o orvalho,/ É tão tarde que o orvalho encharca as minhas meias de gaze,/ E eu desço a cortina de cristal/ E contemplo a lua no Outono límpido.

NOTA: Escadas de pedraria, por isso um palácio. Lamentação, por isso há alguma razão de queixa. Meias de gaze, por isso uma senhora da corte, não uma criada que se queixa. Outono límpido, por isso o tempo não é desculpa para ele. Notar também que ela chegou cedo, pois o orvalho não só embranqueceu as escadas, mas também lhe encharcou as meias. O poema é especialmente apreciado por ela não proferir nenhuma censura directa.

[Tradução de Gualter Cunha na Relógio d’Água]


4 comentários:

  1. Hermoso Monserrate. En junio estuve y me maravilló. Otro Edén en Sintra.

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  2. Caro Anónimo: o Outono aproxima-se e esperamos que Monserrate se torne ainda mais paradisíaco.

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  3. Andou por aqui o Fragonard? Ou o Caspar David Friedrich? Ou foram mesmo vocês?

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  4. Paulo: a culpa é mesmo do sol vaporoso e do Parque de Monserrate!

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