sábado, 27 de junho de 2009

Um pouco mais de urbanismo, em tom amargo

Mais uma digressão fora de Sintra, ainda propósito de urbanismo e espaço público, em tom amargo. Há umas semanas, tínhamos recorrido aqui a uma imagem dos Olivais como ilustração de bairro lisboeta forte em arborização. Trata-se de um pedaço de cidade pensado e edificado há quase meio século é e é muito esclarecedor da evolução da nossa prática urbanística compará-lo com a intervenção recente no mesmo local. Veja-se, por exemplo, estas duas fotografias, captando dois espaços adjacentes:



Na primeira temos o modelo lançado em força na Europa a partir da década de vinte, mas que em Portugal só triunfa verdadeiramente trinta anos mais tarde. No grande projecto público de urbanização dos Olivais, houve uma parcela central que foi reservada à instalação de um Centro Cívico e que permaneceu desocupada até aos anos noventa. A administração da cidade decidiu então alterar o uso previsto e promover a ocupação que se vê na segunda fotografia, actualmente em fase de conclusão.

Qual é a diferença entre as duas imagens? Na primeira o urbanismo centra-se na ideia de valor social do solo e a administração pública vê-se a si própria como intérprete das necessidades da comunidade, enfatizando os espaços verdes, o equipamento público e a respiração entre os edifícios. Na segunda, a administração pública tornou-se um competidor agressivo no mundo dos negócios imobiliários. Por isso, cada metro tem de ser ocupado por usos com valor de mercado: o índice de construção na segunda imagem é, talvez, cinco vezes superior ao da primeira. Uma maior aproximação reforça o contraste:


No lado de baixo da rua a ocupação do urbanismo ideológico, do lado de cima da rua a ocupação do urbanismo especulativo. Em baixo, depois da faixa de rodagem, há estacionamento, depois uns quinze metros que incluem passeio e uma faixa verde arborizada e só depois os blocos de habitação. Em cima não há sequer estacionamento delimitado (os automóveis estão abusivamente estacionados) e o passeio sem árvores está nos mínimos regulamentares de dois metros e meio. Embaraça-nos muito que o lado pré-74 seja o de baixo. Quanto ao lado de cima, acaba de ser construído e leva-nos a perguntar se precisamos mesmo de pagar a existência de um serviço público de planeamento e gestão urbanística que não se distingue de qualquer tubarão imobiliário.

(Imagens 1 e 2 em Bing Maps, modo bird's eye; imagem 3 em Google Earth)

2 comentários:

  1. Não querendo desvalorizar a importância do planeamento nem da gestão urbanística queria esclarecer o que se passa na terceira foto, em relação ao estacionamento que dizem inexistente: A verdade é que aqueles edifícios estão servidos de estacionamento subterrâneo, existindo também muito próximo outro que é público e que serve o Centro Comercial dos Olivais.

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  2. É verdade. Aliás, todos estes novos edifícios nos parecem dispor de estacionamento privativo em cave. No entanto, a lei também exige que haja algum estacionamento público. É possível que tenha sido concentrado no lado oposto do empreendimento. De qualquer forma, como notou, o que mais nos impressiona aqui é o alargamento máximo da ocupação edificada e o encolhimento ao mínimo do espaço público, bem como o grande contraste com as áreas mais antigas envolventes, construídas numa época de urbanismo menos especulativo. Naturalmente, as mais-valias potenciais de cada metro quadrado de área de construção a mais são a chave para compreender situações destas.

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